Nos últimos dias, ouvi atentamente os vossos testemunhos. Tenho-os comigo na reflexão e na oração, imaginando as vossas histórias e situações. Estou-vos grato por terdes aberto o coração e porque com esta visita expressastes o desejo de caminhar juntos.
Gostaria de retomar alguns dos muitos aspetos que me impressionaram. Começo com uma expressão que faz parte da vossa sabedoria e que não é apenas um modo de dizer, mas uma maneira de ver a vida: “É preciso pensar nas sete gerações futuras quando se toma uma decisão hoje”.
Esta frase é sábia, clarividente, e é o oposto do que muitas vezes acontece nos dias de hoje, quando perseguimos objetivos úteis e imediatos sem considerar o futuro das próximas gerações.
Ao contrário, a ligação entre os idosos e os jovens é indispensável. Deve ser cultivada e salvaguardada, porque assegura que a memória não se torne vã e que a identidade não se perca. E quando a memória e a identidade são salvaguardadas, a humanidade melhora.
Além disso, nos últimos dias sobressaiu uma bonita imagem. Comparastes-vos com os ramos de uma árvore. Como eles, crescestes em várias direções, passastes por diferentes estações e até fostes fustigados por ventos fortes.
Mas ancorastes-vos solidamente nas raízes, que se mantiveram firmes. E assim continuais a dar frutos, porque os ramos só chegam ao alto se as raízes forem profundas.
Gostaria de mencionar alguns frutos, que merecem ser conhecidos e valorizados.
Em primeiro lugar, o vosso cuidado pela terra, que não considerais um bem a explorar, mas um dom do Céu; para vós, ele preserva a memória dos antepassados que ali descansam e é um espaço vital onde captar a própria existência no âmbito de um tecido de relações com o Criador, com a comunidade humana, com as espécies vivas e com a casa comum que habitamos.
Tudo isto vos leva a procurar a harmonia interior e exterior, a nutrir grande amor pela família e a ter um sentido vivo da comunidade. A isto acrescentam-se as riquezas específicas das vossas línguas, culturas, tradições e formas artísticas, acervo que não pertence só a vós, mas a toda a humanidade, pois manifesta humanidade.
Mas a vossa árvore que dá fruto sofreu uma tragédia, que me descrevestes nos últimos dias: a da erradição .
A corrente que transmitia conhecimentos e estilos de vida, em união com o território, foi interrompida pela colonização que, sem respeito, arrancou muitos de vós do ambiente vital, procurando uniformizar-vos com outra mentalidade.
Assim, a vossa identidade e cultura foram feridas, muitas famílias separadas e tantos jovens tornaram-se vítimas desta força de homologação, sustentada pela ideia de que o progresso se alcança pela colonização ideológica, de acordo com programas estudados teoricamente, em vez de respeitar a vida dos povos.
É algo que infelizmente ainda hoje acontece, a vários níveis: as colonizações ideológicas. Quantas colonizações políticas, ideológicas e económicas existem no mundo, movidas pela ganância e pela sede de lucro, ignorando as populações, as suas histórias e tradições, e a casa comum da criação. Infelizmente, esta mentalidade colonial ainda é generalizada. Procuremos superá-la juntos.
Através das vossas vozes pude sentir e carregar dentro de mim, com grande tristeza no coração, os relatos de sofrimento, privação, tratamentos discriminatórios e várias formas de abuso sofridas por vários de vós, particularmente nas escolas residenciais.
É arrepiante pensar no desejo de incutir um sentimento de inferioridade, de levar alguém a perder a própria identidade cultural, a cortar as raízes, com todas as consequências pessoais e sociais que isso comportou e continua a implicar: traumas não resolvidos que se tornaram traumas intergeracionais.
Tudo isto despertou em mim dois sentimentos: indignação e vergonha. Indignação, porque é injusto aceitar o mal, e pior ainda é habituar-se ao mal, como se fosse uma dinâmica inevitável, causada pelos acontecimentos da história.
Não, sem indignação firme, sem memória e sem o compromisso de aprender com os erros, os problemas não se resolvem e reaparecem. Vemos isto nos últimos dias, a propósito da guerra. A memória do passado nunca deve ser sacrificada no altar de um presumível progresso.
E sinto também vergonha, já vos disse e repito: sinto vergonha, dor e vergonha pelo papel que vários católicos, particularmente com responsabilidades educativas, desempenharam em tudo o que vos feriu, nos abusos e na falta de respeito pela vossa identidade, pela vossa cultura e até pelos vossos valores espirituais.
Tudo isto é contrário ao Evangelho de Jesus. Pela conduta deplorável daqueles membros da Igreja católica, peço perdão a Deus e gostaria de vos dizer do íntimo do coração: sinto muito!
E uno-me aos meus Irmãos Bispos do Canadá no pedido de perdão. É evidente que não se pode transmitir o conteúdo da fé de forma alheia à própria fé: Jesus ensinou-nos a acolher, amar, servir e não julgar; é terrível quando, precisamente em nome da fé, se dá contratestemunho do Evangelho.
Fonte: Vatican News