O Senhor Mercado

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Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs

Os tempos modernos amadureceram com os albores do renascimento humanitário, da descoberta e/ou conquista de novas terras, do iluminismo, das inovações tecnológicas e científicas, culminando com a Revolução Industrial. Nesse percurso vertiginoso de apenas alguns séculos, e de modo particular na civilização ocidental, praticamente foram banidos os imperadores, os monarcas e os tiranos. Constituíam os senhores absolutos, do ouro e da espada, do trono e dos súditos – atributos todos eles gêmeos e indissociáveis.

Restou, único e soberano, o Sr. Mercado, acompanhado de perto pela Sra. Democracia. Mas esta última converteu-se rapidamente em serva daquele. Navega ao sabor dos ventos e do rumo das mercadorias. Com o nascimento e consolidação da economia capitalista, de corte liberal, o poder e a riqueza estreitaram ainda mais as mãos e os interesses. Enquanto reinados e dinastias se dividem, se fragmentam e desaparecem, o domínio econômico apresenta-se cada vez mais centralizado e coeso. O progresso tecnológico tem contribuído ainda mais para essa concentração sem precedentes da acumulação de capital – bem como para sua sua contra face, a exclusão social. Surge um novo império, regulado pela compra e venda, oferta e procura.

O Sr. Mercado, aliás, desde cedo revelou-se extremamente caprichoso, sujeito aos altos e baixos de um mar agitado e de ondas imprevisíveis e imprevistas. Sua “mão invisível” (Adam Smith) manda e desmanda; faz, desfaz e refaz relações de toda ordem; ultrapassa e rompe com todas as fronteiras. Seu humor oscila de forma instável de acordo com os boatos, os rumores e o comportamento do sistema de produção-comércio-consumo. Tornou-se o rei incontestável da economia e da política. Improvisamente e com uma velocidade frenética, ergue e derruba bolsas de valores e governos, além de determinar as mais variadas taxas.

Diante desse renovado absolutismo, qual o protagonismo dos governos nacionais e dos organismos internacionais? Frente à voracidade de lucros e ganhos crescentes do Sr. Mercado, representado pelos gigantescos conglomerados transnacionais, o que fazer? Combater semelhante abuso ou adaptar-se em vista de uma certa governabilidade? Quem e como comanda efetivamente os processos eleitorais e a divisão do poder? Do ponto de vista do poder local, existe qualquer margem de manobra para responder aos anseios, necessidades e urgências da população, especialmente os setores mais pobres e abandonados?

Três vias se abrem para o protagonismo dos governos nacionais: a) resistir às investidas do grande capital, esperando e enfrentando a tempestade desencadeada pelo FMI e Cia., com todo seu arsenal de retaliação e de guerra; b) aceitar a cumplicidade com o capital financeiro e com as transnacionais, embolsando em recompensa alguns trocados, o que gera, por exemplo, a corrupção e a progressiva devastação do meio ambiente; e c) tornar-se uma espécie de capataz do Sr. Mercado, convertendo-se em correia de transmissão da poupança popular para os cofres públicos e para as contas bancárias dos cidadãos mais ricos do planeta, o que evidentemente sacrifica a possibilidade de verdadeiras políticas públicas.

Disso resulta que, em lugar de respostas às perguntas acima, o horizonte se reveste de sombras e dúvidas, de incertezas e inquietudes. Pelos campos, cidades e grandes metrópoles, o desemprego, subemprego ou trabalho informal fecha as portas aos direitos humanos básicos. As estradas e fronteiras se enchem de multidões em fuga – migrantes, refugiados e prófugos – que erram de um lado para outro disputando as migalhas que, eventualmente, caem da mesa luxuosa e opulenta dos milionários e bilionários. Mas resulta, também, que uma nova ordem mundial se faz urgente e necessária, para a sobrevivência digna da vida e do planeta.

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs – São Paulo 8 de janeiro de 2019

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