Frei Tito Brandsma, carmelita, professor e primeiro jornalista mártir será canonizado

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“Homem manso, mas determinado”, Brandsma, natural da Holanda, onde a devoção a ele é profunda e difundida, em virtude do papel de assistente eclesiástico dos jornalistas católicos, assim nomeado pelos bispos holandeses em 1935.

Utilizou a rede de jornais católicos para defender a liberdade de informação e a dignidade de cada pessoa e condenar as ideologias nazistas, as quais criticou duramente pela abordagem anti-humana.

Os seus corajosos escritos tornaram-se um ponto de referência para a resistência moral e cultural do povo holandês, mas entraram em choque com o Reich que temia “aquele professor maligno”, como dizia a manchete do jornal berlinense Fridericus, e decidiu silenciá-lo.

Coerência com a fé católica – sua condenação

O pretexto foi a carta circular Brandsma enviada em 31 de dezembro de 1941 a todos os jornais católicos, exortando-os a não publicar anúncios do Movimento Nacional Socialista exaltava a “raça”. Caso contrário, dizia, “eles não deverão mais ser considerados católicos e não deverão e não poderão contar com os leitores e assinantes católicos”.

Padre Tito foi preso em janeiro de 1942 como um perigoso subversivo e levado para Amersfoort, um “campo de trânsito” à espera da deportação.

Os detalhes de seus dias de prisão são conhecidos graças a um diário e algumas cartas enviadas aos superiores, confrades, familiares e amigos. Nelas, o carmelita descreveu o espaço pequeno de sua cela, os maus-tratos, sem expressar tristeza ou reclamações.

Embora impossibilitado de receber a comunhão, ele dizia de sentir-se em casa na prisão porque Deus estava ao seu lado.

Morte em Dachau
Ele manteve a mesma serenidade até sua morte ocorrida, em Dachau, através de uma injeção de veneno.

A enfermeira que o injetou o ácido fênico relatou seus últimos momentos de vida, durante o interrogatório do processo de canonização: “Ele pegou minha mão e disse: ‘Pobre jovem que você é, eu rezarei por você!”

A viagem terrena de Brandsma concluiu-se em 26 de julho de 1942, aos 61 anos.

Beatificação

Em 3 de setembro de 1985, São João Paulo II o proclamou beato e mártir da fé. Agora, com o Papa Francisco, ele é reconhecido santo.

Cura atribuída a Tito

O milagre que atribuído à sua intercessão foi a cura de um sacerdote carmelita de um “melanoma metastático dos linfonodos”,  em 2004 em Palm Beach (EUA).

Primeiro jornalista declarado santo

O mártir do nazismo, Tito Brandsma, é o primeiro jornalista a ser elevado aos altares.

Será canonizado em 15 de maio de 2022.

Sua vida e vocação
Tito nasceu na Holanda, no dia 23 de fevereiro de 1881. Era de família camponesa. No lar, havia seis filhos, quatro mulheres e dois homens. Todos tornaram-se religiosos, menos uma. Esta casou-se e com o marido cuidaram dos pais e do sítio.

Tito era um menino franzino, muito atencioso e perspicaz. Aos 11 anos, tomou o trem para chegar, por uma longa viagem, ao seminário franciscano. Era brilhante nos seus estudos. Chamou a atenção dos professores seu interesse em conhecer e aprofundar o sentido da vida. 

Não é clara a razão pela qual ele finalmente não ingressou na Ordem franciscana e nem se tornou jesuíta. Há várias hipóteses a respeito. Uma delas é o testemunho vocacional de Frei Casemiro, carmelita e parente dele. Esse lhe falou da beleza da vida de Nossa Senhora, a Mãe de Jesus e Mãe e Irmã dos carmelitas. No dia 17 de setembro de 1898, ingressa no Carmelo. Como frei ainda noviço, apaixonou-se pela vida de Santa Teresa de Jesus. Elaborou um belo florilégio das obras dela.

Foi ordenado sacerdote em 17 de junho de 1905.

Foi enviado para Roma para doutorar-se em filosofia. Ao mesmo tempo, segue um curso de sociologia.

Conquista o título de doutor, mas esse título não lhe tira a humildade. Mais tarde, já professor universitário vê pela janela um pobre trabalhador empurrando com dificuldade sua carroça carregada de bananas morro acima. Tito lhe vem ao encontro, joga sua maleta de livros sobre a carroça e, juntos, empurram a carroça. Chegando em nível plano, os dois se despedem com cumprimentos fraternos, um indo para a feira e outro para dar aula de espiritualidade e mística na Universidade. Esse gesto de ajuda do Frei Tito é muitíssimo significativo porque havia entre o povo a nítida ideia que pobres e professores não se misturam.

“Entrego-me de corpo
e alma à causa de Deus”.

Evangelização de Tito Brandsma

De volta de Roma para a Holanda, Tito foi nomeado professor de Filosofia de alguns frades carmelitas.

Seu entusiasmo de trabalhar pela evangelização do povo não lhe permitiu limitar-se aos estudos de professor.

Quer fazer parte de uma Igreja em saída.

Envolve-se na pastoral da juventude, criando escolas, fundando uma biblioteca pública e escrevendo artigos nos jornais da cidade. Ele não se limita apenas à pastoral da cidade, mas torna-se um pastor sem fronteiras. Funda em conjunto com outros professores a primeira Universidade Católica do seu país. Torna-se professor titular de teologia e mística da mesma Universidade. Sua maior preocupação era a imagem de Deus mais apropriada para o mundo de hoje:

“Entre as muitas interrogações que me coloco, nenhuma me ocupa tanto como o enigma do homem que, blefando do seu progresso, afasta-se de Deus. É decepcionante constatar como a profanação e a negação de Deus se alastram como doença contagiosa. Como ficou obscurecida a imagem de Deus, a ponto de não significar mais nada para muita gente! A falha é destas pessoas ou cabe a nós, de melhor formação, irradiar uma luz mais clara sobre a imagem dele, poder alimentar a esperança de uma nova imagem dele e assim pelo menos amenizar o maior de todos os problemas? Não é minha intenção fazer defesa do conceito sobre Deus que por muitos é rejeitado, pois já existem apologias demais. Aliás, no decurso da história, costumamos seguir o caminho da defesa e da argumentação, enquanto que é muito mais nobre e proveitoso irradiar a verdade sobre Deus, de maneira mais positiva, na sua própria luz, a qual encanta a mente humana. Creio que a nossa missão é a de olhar ao nosso redor e rever o conceito que temos de Deus. Nele há uma riqueza tão grande e tantas facetas que devemos precaver-nos de nos apegarmos demais a representações tradicionais. Novos tempos exigem novas formulações. A imagem de Deus deve ser vivamente renovada e atualizada, indo ao encontro da cultura moderna e colocando em evidência aqueles aspectos da grandeza de nosso Deus, que mais fascinam a humanidade, hoje”, escreveu Frei Tito.

Jornalista, diretor espiritual dos jornalistas católicos

Em 1938, reuniu em 170 álbuns uma coleção de 16.000 fotos de textos de espiritualidade e mística, tiradas de mais ou menos 60 manuscritos. Esta “coleção Tito Brandsma” é guardada até hoje com muito carinho na Universidade. Como jornalista, escreveu em mais de 20 jornais, 104 artigos sobre os mesmos temas. O jornalismo, em todas as suas facetas, foi a paixão da sua vida. Ele o viu como um caminho privilegiado de levar Deus aos homens. Pôs em relevo o lado positivo e construtivo da vida. O anúncio da verdade era uma questão de justiça para ele.

Em 1935, foi nomeado pelo arcebispo diretor espiritual da união dos jornalistas católicos do seu país. Nesta função, entra cada vez mais em choque com a ideologia nazista, que tornou-se o assunto em suas aulas de 1938 a 1939. Foi profeta da liberdade de expressão. Denunciou o sistema ateu. Tinha diante de si o profeta Elias, homem de fogo com sua espada chamejante na mão, conhecido por seu lema: “Entrego-me de corpo e alma à causa de Deus”. Tito viveu esse lema, defendendo a liberdade do ensino e da imprensa. Seu carisma carmelita e sua pastoral adquiriram força na oração e na renúncia.

Também não se calou diante do nazismo, que chamava de paganismo moderno. Defendia nas suas aulas na universidade uma civilização de amor contra a ideologia do nazismo opressor. Tito tornou-se logo conhecido pela polícia nazista alemã, que elaborou de imediato um extenso relatório sobre a sua vida e atuação.

Ao aceitar, em 1942, a missão do arcebispo de Jong, convenceu os jornalistas católicos a não publicarem artigos ou propaganda nacional-socialista. Tito foi imediatamente visado pela polícia secreta. Após ser investigado em 1942, foi caracterizado por ela como “muito perigoso e cérebro de propaganda anti-nazista”. Pouco antes de ser preso no dia 19 de janeiro de 1942, compadeceu-se de um garoto que ficara órfão, procurando um casal de padrinhos para adotar o menino.

“Sofrer não faz mal, desde
que nos sintamos amados.”

Na prisão

Tito, prisioneiro, foi interrogado pelo comandante Hardegen. Ele não se deixa amedrontar pelo Movimento Nacional Socialista. O comandante lhe pergunta: “É certo que a Igreja quer sabotar as ordens das Forças de Ocupação alemãs para desta maneira pôr em perigo a paz na Holanda e impedir que o Movimento Nacional Socialista encontre acesso ao povo holandês”?

Tito, com risco da própria vida, responde:

“A Igreja católica na Holanda atem-se às ordens da Forças de Ocupação, desde que estejam em consonância com o seu pensamento. Se houver razões fundamentais em contrário, a Igreja Católica recusa sua colaboração, com todas as consequências que disso possam provir. Caso aconteça esta tomada de posição e a consequência seja colocar em perigo a unidade política do país, a Igreja o lamentará profundamente, mas não se sentirá responsável por isto. O mundo de ideias nacional-socialistas é combatido por ela por razões que estão ancoradas na sua visão do mundo e na sua convicção religiosa. Do meu ponto de vista, é lamentável as Forças de Ocupação promoverem a ideologia do Movimento Nacional Socialista, pois o povo holandês e, em particular, o clero, não quer saber nada dos líderes deste Movimento. A Igreja católica vê como sua missão fortalecer as atitudes de todas as personalidades católicas, que têm função de liderança.

Tito foi apontado oficialmente como um “homem de firmeza de caráter e perigoso para o sistema”. É preso. Durante sua permanência na prisão, entrega-se à meditação e à oração, seguindo uma disciplina conventual. Começa a escrever uma nova biografia de Teresa d´Ávila nas entrelinhas de um livro. Os guardas, de todas as maneiras o humilhavam, mas ele não perdia a paz. Impressiona os demais presos por suas palavras de esperança.

Seu lema é: “Sofrer não faz mal, desde que nos sintamos amados”.

Muitos dos presos lembraram-se mais tarde da sua meditação sobre a Paixão do Senhor, na Sexta-feira Santa. Tito não pregava teoria, mas falava de coração, de sua própria experiência e fazia uma analogia entre o sofrimento de Cristo e o dele na prisão.

Posteriormente, foi transportado para o campo de extermínio, em Dachau.

Quem fosse para lá, sabia que não haveria retorno. Suas roupas são trocadas por roupas listradas de prisioneiro. Raparam-lhe os cabelos e recebeu o número de preso – 30.492. Então, passa a ser apenas um número.

Dachau é um lugar conhecido pela violência brutal dos guardas. A partir de seu sentimento de superioridade, esses soldados alemães tinham profundo desprezo por todos os que não eram alemães. Frequentemente é punido por partilhar sua parca refeição com os outros presos, como por exemplo, entregar uma folhinha de alface a um companheiro.

Os prisioneiros percebiam como Tito bebia da Fonte de água viva que é o próprio Deus. Tito suporta o sofrimento e em plena comunhão com Cristo sofredor oferece sua vida em favor de mundo mais justo e fraterno.

Amor à Eucaristia

Só ao clero alemão era permitido celebrar a Eucaristia no bloco 26. Outros religiosos eram excluídos, mas, de maneira secreta, a santa comunhão chegava a eles. Certa noite o confrade de Tito, Rafael, levou a comunhão para ele. Tito a envolveu num papelzinho branco e a escondeu debaixo do cinto.

O guarda do dormitório, ao inspecionar o local, via a cama dele vazia. Foi à procura dele. Antes de chegar perto, Tito, em adoração, conseguiu guardar a hóstia no seu estojo de óculos e escondê-la sob a axila esquerda. O guarda se levantou grosseiramente contra ele insultando e espancando-o. Tito rolou pelo chão, mas conseguiu ainda arrastar o seu corpo por cima do degrau do dormitório.

Frei Rafael o socorreu e o pôs sobre a cama e lhe perguntou se sentia fortes dores no que ele respondeu: “Ó irmãozinho, você não sabia quem eu carregava comigo”?

Rafael caiu num profundo silêncio e, juntos, adoraram o Senhor. Rafael quis ajoelhar-se, mas Tito advertiu: “Cuidado! Eles podem nos ver rezando”.

Baixinho, professaram a sua fé na Eucaristia: “Ó Deus, Vos adoramos com fé, escondido e realmente presente sob as aparências de pão. A Vós, nosso coração todo se confia. Contemplando-Vos, tudo desfalece”. Tito deu a bênção e os dois se deitaram, sem terem sido incomodados pelos guardas.

“Quem quiser ganhar o mundo para Cristo,
deve ter a coragem de entrar em conflito
com esse mundo.”

Fraternidade Carmelita

Todos os dias os prisioneiros deviam marchar por um caminho lamacento de uma distância de três quilômetros para trabalhar com sol ou chuva numa plantação de verduras. Tito não mais aguentou. Estava totalmente esgotado e com os pés feridos pelos tamancos de madeira cobertas de couro duro. Ele foi carregado por dois carmelitas (OCD) Frei Hilário Tanuszewski e Alberto Urbanski novamente ao barracão.

O primeiro jornalista mártir

Seu estado de saúde estava piorando visivelmente. Foi colocado na enfermaria. Antes de a enfermeira lhe aplicar, obedecendo ordens, uma injeção letal, Tito lhe entregou o terço, mas ela lhe disse que não sabia rezar. Tito respondeu: “Reza pelo menos a última parte: rogai por nós, pecadores”. Ela deu risada. Mais tarde se converteu ao Cristianismo e no dia da beatificação de Tito deu o seu testemunho sobre ele.

Depois de terem sido feitas experiências médicas sobre o corpo dele, morreu no dia 26 de julho, na festa de Sant´Ana. Realizou-se o que ele afirmara em vida: “Quem quiser ganhar o mundo para Cristo, deve ter a coragem de entrar em conflito com esse mundo. É duro o conflito com o mundo: fez Cristo morrer na cruz”.

Depois seu corpo foi cremado nos fornos existentes no campo. Em sua cremação, uniu-se a milhões de outros que tiveram a mesma sorte. Seu espírito perdoou as crueldades da vingança nazista e a enfermeira. Em 1955, começou o processo de beatificação e, em 3 de novembro de 1985, foi beatificado por São João Paulo II.

Nos periódicos e nas publicações internacionais, por ocasião de sua beatificação, foi ressaltado de modo particular seu trabalho de jornalista. Chamaram-no o primeiro jornalista mártir e elogiaram sua força de ânimo, seu sofrimento, o seu perdão oferecido à enfermeira assassina.

Frei Kylian Healey, antigo Prior Geral dos Carmelitas, chamou Tito de um novo Elias, porque ele, totalmente penetrado do espírito do Carmelo e inteiramente consagrado a Deus, ardia de amor pelo Deus Vivo e pela humanidade. Vida transformada, vida renovada.

O milagre da canonização 

Que Frei Tito é santo, ninguém duvida. Frei Tito foi beatificado pelo Papa São João Paulo II na presença de muitos cardeais, bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas, em Roma. Mais que 12.800 lotaram a Basílica de São Pedro.

Para Tito poder ser canonizado, faltava um milagre. Agora aconteceu o seguinte: um confrade nos Estados Unidos estava com câncer bem avançado. O bispo local com o povo pediram a Deus sua cura pela intercessão do Beato Tito. O frade se recuperou de sua enfermidade. O bispo montou um processo para o Vaticano reconhecer a cura como milagre. Foi reconhecido.  Tito será canonizado.

Testemunho de São João XXIII

O Papa São João XXIII, certa feita, passou toda uma noite em claro, sem poder reconciliar o sono, não obstante a sua proverbial facilidade para dormir.

A causa?

Ele próprio a explicou na manhã seguinte: “A vida de Frei Tito Brandsma, um carmelita holandês, escrita por Fausto Vallainc, não me deixou dormir a noite inteira, visto que a sua leitura é tão emocionante que eu não pude interrompê-la; só consegui parar depois de havê-la concluído”.

 

Diante de Jesus, na dor.
(Escrito por Frei Tito na prisão)

Ó Jesus, quando Te contemplo,
eu redescubro a sós contigo
que Te amo e que teu coração
me ama como a um dileto amigo.

Ainda que a descoberta exija
coragem, faz-me bem a dor.
por ela me assemelho a Ti,
pois é esse o caminho redentor.

Na minha dor, me rejubilo:
já não a julgo sofrimento,
mas sim predestinada escolha
unido a Ti num mesmo sentimento.

Deixa-me, pois, nessa quietude,
malgrado o frio que me alcança.
presença humana não permitas,
que a solidão já não me cansa.

Pois de mim sinto-Te tão próximo
como jamais antes senti.
Doce Jesus, fica comigo,
que tudo é bom junto de Ti.

O livro: “O caminho de Tito Brandsma no tempo de Hitler”, de 104 páginas, que pode ser adquirido com o autor deste artigo, Frei Gabriel Haamberg O. Carm. (gabrielocarm@uol.com.br)

 

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