Por Jaime C. Patias | 10.01.14| Num clima de fé e esperança, os participantes do 13º Intereclesial das CEBs viveram, na tarde desta quinta-feira, dia 9, um momento especial de mística e espiritualidade. Ônibus transportaram os romeiros até o Horto, lugar mais alto de Juazeiro do Norte, onde se encontra a gigantesca estátua do padre Cícero, ao lado do museu que preserva a sua memória. A última parte do trajeto até a colina foi feita a pé quando romeiras e romeiros do campo e da cidade formaram um mar de chapéus. Aos poucos a multidão ia se acomodando aos pés da estátua do padre Cícero para a celebração dos Mártires e Profetas.
Entre orações, cânticos e salmos, depositavam diante da cruz dos mártires seus sofrimentos e anseios por justiça e profecia a serviço da vida. O roteiro da celebração seguiu a Via-Sacra. Em um momento de profundo silêncio foram lembrados os passos de Jesus que se atualizavam nos passos de tontos homens e mulheres que tombaram na luta pelas causas do povo, “vidas pelas vidas, vidas pelo Reino”. Santo Dias, dom Helder Camara, Sepé Tiarajú, Marçal Guarani, Nísio Gomes, João Caleri, Irmã Dorothy Stang, Margarida Alves, Chico Mendes, Oscar Romero, Josimo Tavares, Ezequiel Ramin, padre Cícero Romão, entre outros.
Presidiu a celebração, dom Edson Damian, bispo de São Gabriel da Cachoeira (AM), a diocese mais indígena do Brasil. “Dirigimo-nos a vocês, em nome de todos os nossos povos e igrejas, pois a vocês devemos a coragem de viver defendendo nossa identidade e a vontade teimosa de seguir anunciando o Reino, contra o vento e a maré do anti-reino neoliberal”, destacou dom Edson ao refletir sobre o significado do martírio. “Apesar das corrupções de nossos governos ou de todos os nossos temores, recuos e covardias cremos que, enquanto houver profecia haverá credibilidade, enquanto houver martírio haverá esperança, enquanto houver profetas e mártires haverá CEBs lutando por justiça e profecia a serviço da vida”, disse. O bispo lembrou ainda que, a história das CEBs se mistura com a luta dos pobres, por sua dignidade, por seus direitos. “Do chão das CEBs é que surgiram os profetas e os mártires. O grão caído na terra morrendo se multiplica. Assumiremos suas vidas e suas mortes abraçando suas causas”, disse e completou com o apelo de dom Helder Camara: “Não deixem morrer a esperança”.
Ao lado do cajado de padre Cícero, Irmã Anette Dumoulin, religiosa que se dedica a acolher os romeiros leu alguns conselhos deixados pelo padre Cícero: “Todos ainda podem ser santos. Sempre é mais seguro obedecer a Deus do que aos homens. Deus nunca deixou trabalho sem recompensa, nem lágrimas sem consolação. Dê o primeiro passo e o resto o nosso bom Deus fará. Trabalhe como se nunca fosse morrer, reze como se fosse morrer hoje”, dizem algumas das orientações.
Cantores complementaram entoando versos populares: “Quem matou não mate mais, quem roubou não roube mais! Romeiros de verdade vivem na fraternidade. Jesus Cristo vive no calvário a Deus Pai nos entregou, vencendo a maldade seu amor ele provou”.
O sentimento dos presentes foi resumido na mística do Pai Nosso dos Mártires cantado com emoção e compromisso. “Teu nome é santificado naqueles que morrem defendendo a vida. Teu nome é glorificado, quando a justiça é nossa medida. Teu reino é de liberdade, de fraternidade, paz e comunhão. Maldita toda a violência que devora a vida pela repressão… Pai nosso revolucionário, parceiro dos pobres, Deus dos oprimidos”.
Na sequência, ao som de um violino e um flauta, a grande cruz foi carregada pelo povo enquanto se deslocava até a igreja nova de Bom Jesus do Horto, templo ainda em construção no espaço doado pelo padre Cícero aos padres salesianos. Ao receberam respingos de água benta os romeiros das CEBs renovavam seus compromissos pela causa da justiça e da profecia, a exemplo dos mártires da caminhada.
Marcelo Barros e Neuza Mafra leram um esboço da carta a ser enviada ao Papa Francisco em resposta a sua emissiva. “Queremos expressar ao senhor nosso agradecimento pela bela e profunda carta que nos mandou e foi lida no início deste encontro. Sua carta nos chegou como uma luz a iluminar o caminho e reacendeu em nós a esperança numa Igreja povo de Deus. Aproveitamos a oportunidade para nos unir ao seu esforço por renovar as igrejas da comunhão católico-romana de acordo com a teologia e a espiritualidade do Concílio Vaticano II, relidas e atualizadas pelas necessidades do mundo atual e pela urgência que nós cristãos escutemos o que o Espírito diz às igrejas”, diz um trecho da carta. E ainda, “nós lhe agradecemos por fazer do ministério papal uma profecia contra a economia de exclusão que hoje domina o mundo. As CEBs reafirmam sua vocação no jeito de ser Igreja das primeiras comunidades e também no espírito das ações populares e das casas de caridade do padre Ibiapina, padre Cícero, do leigo José Lourenço assim como de tantas mulheres santas”.
A mensagem foi aprovada por aclamação e, após receber a bênção, a multidão, numa grande procissão desceu a colina do Horto até o estacionamento onde os ônibus esperavam para transportar os grupos até as paróquias onde houve um momento cultural.
Antônio Baiano, cantador popular de Horizona (GO) que trabalha com escolas de famílias agrícolas irradiava alegria. “Fazer memória do Mártir Jesus e com ele os mártires da Caminhada, da luta da terra, pelos direitos humanos, da juventude, da causa indígena faz com que assumamos uma posição mais crítica contra o modelo capitalista que exclui, mata e devasta a natureza. Essa Caminhada dos mártires tem esse significado de resgatar o nosso compromisso de CEBs com as lutas populares. Isso não é fácil e por isso temos mártires. Entrar na luta é também se colocar para ser mártir”, opinou.
José Ribeiro Filho de São José dos Campos (SP) participa pela segunda vez. Para ele, a celebração “foi um momento de mística muito importante. A caminhada dos mártires é linda, o lugar é especial e a celebração foi muito bem feita, emocionante”, disse. “Recordar os mártires é importante por que são pessoas que deram a vida defendendo os pobres das injustiças. Devemos nos unir para melhorar o mundo”, completou.
Wilma Mossoró, da coordenação das CEBs na diocese de Mossoró (RN) veio numa delegação de 14 pessoas. “Foi um momento de muita luz e espiritualidade para afirmarmos o nosso compromisso com a caminhada das comunidades e perceber que em meio às dificuldades existe muita esperança, por que a luta continua de fato nas pequenas comunidades”, destacou.
A programação segue na manhã desta sexta-feira, dia 10, com uma deflexão sobre a espiritualidade dos romeiros e, durante a tarde, trabalhos de aprofundamentos nos sete espaços denominados ranchos.