Papa Francisco entre a profecia e o folclore

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Inegável a veemência profética de Jorge Bergoglio. Desde que assumiu a cátedra de Pedro com o nome de Papa Francisco, trouxe para o Vaticano não só a prática das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e das Pastorais Sociais, como também a reflexão teórica e crítica da Teologia da Libertação (TdL). A partir do “fim do mundo”, tem mostrado uma postura firme e corajosa na “opção preferencial pelos pobres”, com raízes nos documentos do Concílio Vaticano II, bem como nas reflexões conclusivas das Assembleias do Episcopado da América Latina e do Caribe (Medellín, Puebla, Santo Domingo e Aparecida). Disso decorre a insistente denúncia diante da “globalização da indiferença”, acompanhada do anúncio sobre a “cultura da solidariedade”. No fundo, com rara sábia mistura de simplicidade e profundidade, o pontífice instalou no coração de sua mensagem a centralidade dinâmica de Jesus de Nazaré.

Destacam-se, em particular, três aspectos de uma profecia cujo clamor e cuja razão de ser tem sua origem, simultaneamente, nos relatos evangélicos e nas periferias do planeta. Em primeiro lugar, podemos assinalar os escritos principais de seu magistério pontifício. Um voo rasante sobre as Cartas Encíclicas Laudato Si’ (maio de 2015) e Fratelli Tutti (outubro de 2020), junto com a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (novembro de 2013), bastaria para confirmar seu enérgico combate a um sistema de produção que concentra contemporaneamente riqueza e exclusão social. Depois, merece atenção singular sua voz suave, mas nem por isso menos categórica, contra a economia globalizada que “exclui, descarta e mata”. Enfim, seus gestos frequentes e ao mesmo tempo eloquentes em favor dos “excluídos, invisíveis e descartáveis”, como por exemplo a visita às ilhas de Lampeusa (Itália), Lesbos (Grécia) e à fronteira entre México e Estados Unidos – verdadeiras encruzilhadas sobre as quais convergem milhões de migrantes e refugiados, na tentativa de escapar da violência, da guerra e da pobreza, buscando um futuro mais promissor nos países centrais.

Curiosamente, porém, setores expressivos da própria Igreja Católica seguem na contramão do Papa Francisco. De tais setores, alguns o citam com uma frequência um tanto quanto suspeita, enquanto outros simplesmente o ignoram. Incluem-se aí os eternos saudosistas de uma igreja rica, influente, aliada ao trono e ao poder político e/ou financeiro. Mas aí estão igualmente os apaixonados por um formalismo ritual e litúrgico estéril, restrito à sacristia, ao altar e ao templo. Não faltam, ainda, os amantes do luxo e da solenidade pomposa, envolvida em incenso e vestes brilhantes. Mais grave, entretanto, são os teóricos da liturgia, da catequese, da pastoral e da doutrina que se apegam com unhas e dentes a uma reflexão teológica que, além de desconhecer os avanços do Concílio Vaticano II, reivindicam privilégios ostensivos e obscurantistas. E que, por vezes, pautam o currículo escolar dos seminários e casas de formação. Convém sublinhar o valor, a estética e a espiritualidade de uma bela e solene celebração, desde que a mesma jamais esqueça “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres, e de todos aqueles que sofrem” (Cfr. Gaudium et Spes, n.1).

Dessa forma, não é improvável que a imagem, as palavras e escritos do atual pontífice, em lugar de profecia, convertam-se em mero folclore. A exposição às redes sociais e ao apelo mediático globalizados fazem do Papa um “velhinho simpático e corajoso”. Os turistas que visitam Roma, o público em geral e mesmo os membros da Igreja gostam de ouvir essa voz santa e solitária clamando contra a exploração e contra as injustiças e desigualdades sociais. Idoso frágil, alegre, bondoso, vestido de branco, defensor dos pobres – figura fantástica! Mas daí a seguir deveras a exigências evangélicas, isso é outra história! O chefe da Igreja torna-se, sem o querer, um belo produto de mercado. Palavra citada, repetida e que vende bem (comércio de artigos religiosos), mas “voz no deserto”. Boa para consumo imediato e superficial, mas incapaz de provocar uma mudança radical de vida. Profecia que pode confundir-se facilmente com folclore!

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM – 10 de outubro de 2021

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