Francisco e a Vida Consagrada: diálogo franco e amigável com os superiores gerais

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Por Rosinha Martins | 03.12.13| Um encontro familiar e amigável  com o Papa Francisco marcou o final da 82ª Assembleia da União dos Superiores Gerais das Congregações masculinas – USG.  O evento teve início na última quinta, 27, no Salesianum, casa de encontros dos salesianos, em Roma e encerrou na sexta, 29, com um diálogo entre os Superiores e o Pontífice, o qual dedicou toda a manhã desse dia para estar com os Consagrados e tratar de assuntos afins como a identidade da vida consagrada, a missão, os religiosos Irmãos, a vida fraterna, a relação entre os consagrados e as Igrejas particulares, as fronteiras da missão e a missão nas escolas e universidades. Na ocasião, Francisco anunciou aos religiosos que o ano de 2015 será dedicado à Vida Religiosa Consagrada.

1.     Sobre a identidade e a missão da Vida Religiosa

Dentre os temas tratados na conversa, que aconteceu espontaneamente sem uma preparação prévia, destacou-se a missão e a identidade da vida religiosa,  com a pergunta: “o que se espera da vida consagrada, hoje?” De acordo com o Papa Francisco, o que se espera da Vida Consagrada, hoje, é  um  testemunho especial. “Vocês deverão ser verdadeiramente testemunhas de um modo diferente de fazer e de se comportar. São os valores do Reino encarnados. Francisco frisou que a radicalidade evangélica é pedida a todos os cristãos, mas os Religiosos são chamados a seguir o Senhor de maneira especial. “São homens e mulheres que podem acordar o mundo e iluminar o futuro. A Vida Consagrada é profecia”, disse.

Ao se referir à missão da Vida Consagrada, o Papa convidou os Religiosos a saírem de si, deixando o ninho que os mantém na zona de conforto. “Deus nos pede para deixarmos o ninho que nos acomoda e irmos às fronteiras do mundo, evitando a tentação de domesticá-las”, acenou.

Para  o Pontífice,  a profecia não é outra coisa senão reforçar aquilo  que é institucional, ou seja, o carisma na vida consagrada e não confundi-lo com a singular obra apostólica. “O primeiro permanece, a segunda passa, afirmou. “O carisma permanece porque é forte. Às vezes, se confunde carisma e obra. O carisma é criativo, busca sempre novos caminhos. O testemunho carismático deve ser realista e incluir também o fato de nos apresentarmos como testemunhas pecadoras: todos nós erramos. Devemos reconhecer a nossa fraqueza. E,  admitir que somos pecadores faz bem a todos”, ponderou.

Um dos Superiores presentes perguntou ao Papa de que modo os Religiosos devem ir para às periferias, uma vez que, com frequência, ele tem feito esse convite a toda a Igreja. “A visão do mundo é diferente, se vista da periferia mais que do centro, e isto nos obriga a repensar continuamente a nossa Vida Religiosa”, respondeu.

Neste sentido, recordou uma carta do jesuíta, padre Arrupe aos centros sociais da Companhia de Jesus na qual afirmava que para se fazer uma verdadeira opção preferencial pelos pobres é preciso viver com os pobres.  “É preciso olhar  tudo a partir da periferia. É preciso andar na periferia para conhecer de verdade como vivem as pessoas. Caso contrário, corre-se  o risco de um fundamentalismo de posições rígidas com base em uma visão centralizada. Isto não é saudável (…) Hoje Deus está nos pedindo para deixar o ninho que nos acomoda. Também  aquele que está na clausura é enviado através da sua oração para que o Evangelho possa crescer no mundo. Estou convencido de que a chave hermenêutica mais importante é o cumprimento do mandato evangélico: ‘Ide’! ‘Ide’!”, afirmou.

2.     A vocação e a formação para a Vida Consagrada

 Ao refletirem sobre o tema da formação e da vocação, Francisco sublinhou a mudança da geografia da Vida Religiosa e explicou.  “São Igrejas jovens que dão frutos novos, com vocações abundantes. Certamente todas as culturas têm a capacidade de suscitar vocações”.

Segundo Francisco se faz necessário evitar fenômenos dramáticos  como o assim chamado “tráfico de noviças”, através do qual se procura  noviços e noviças em alguns países nos quais não existem casas de missão ou casas de missão em países nos quais as vocações são escassas.

Para ele, no período de formação do jovem é necessário reconhecer que a reta intenção, todavia, pode não ser perfeita no início, mas que deve, pois, purificar-se até os últimos anos de formação. “É necessário sempre estar vigilantes e ter os ‘olhos abertos’. Talvez o noviço ou a noviça esteja buscando um refúgio, uma consolação? Isto nos obriga naturalmente a repensar a inculturação do carisma que é único mas interage com as culturas individuais”, confirmou.

Francisco considerou, ainda, que a  Igreja deve pedir perdão e olhar com muita vergonha os insucessos apostólicos por causa dos erros no campo da formação e da missão. Trouxe à tona o caso de Matteo Ricci na China, que foi mal interpretado. “O diálogo intercultural deve favorecer a introdução no  governo dos Institutos Religiosos, pessoas  de diversas culturas que expressem modos diversos de viver o carisma. Não se trata de uma inculturação folclorística, mas é uma questão de mentalidade, de modo de pensar. Não se pode formar um Religioso sem levar em conta a sua cultura, a sua visão de mundo. É necessário o discernimento e o diálogo intercultural. Não se pode perder a própria identidade pessoal e cultural”.

Ainda, segundo Francisco,  a formação, a seu modo de ver, se dá em quatro pilares fundamentais: formação espiritual, intelectual, comunitária e apostólica. Afirma que é  imprescindível evitar as formas de hipocrisia e de clericalismo através de  um diálogo franco e aberto sobre cada aspecto da vida. “A formação é uma obra artesanal e não  policial. O objetivo é formar os Religiosos para que tenham um coração terno e não azedo como vinagre. Educar é dedicar a uma pessoa mais ou menos tempo de acordo com as necessidades, com a cultura dela. Caso contrário, formamos pequenos monstros”, disse o Pontífice.

Recordou também que os formadores não podem se esquecer que o jovem tem outra linguagem, outra categoria. “Não falo de diferença de cultura geográfica, mas de uma mudança cultural que responde a uma mudança de época. É preciso formar os rapazes para que sejam testemunhas da ressurreição, dos valores do Evangelho, para formar e guiar o povo. O objetivo da formação é o ser formado para o povo de Deus. É preciso pensar no povo de Deus. Se  um seminário aceita um ex-Religioso que foi mandado embora de um Instituto  por motivos sérios, não está pensando no povo de Deus e isto é um problema sério”, ponderou.

Fez referência, ainda, à coragem que ele percebeu  em  Bento XVI ao enfrentar os casos de abuso. “Deve-nos servir de exemplo para termos a mesma coragem no empenho com a formação. Não estamos formando administradores, gestores, manipuladores, mas Padres, Irmãos e companheiros de caminhada”, frisou.

3.     Sobre os Religiosos Irmãos

No que diz respeito aos Religiosos Irmãos,  o Papa Francisco mencionou que eles não são de segunda categoria, mas uma vocação diferente. É necessário um aprofundamento sobre este aspecto, colocando em evidência o valor que eles têm. “Não creio que esta vocação tenha acabado, mas devemos buscar entender o que Deus está  pedindo de nós. Existe um documento sobre os Religiosos Irmãos que há muito tempo está em fase de revisão na Congregação para os Religiosos. Será necessário retomá-lo”, relatou.

Respondendo a uma pergunta referente aos Religiosos Irmãos como Superiores nas ordens clericais, o Pontífice disse  que se trata de um problema canônico e poderá eventualmente ser colocado nesse nível.

4.     Sobre a vida fraterna

Sobre as questões referentes à vida fraterna o Papa disse que esta tem uma enorme força de atração. Supõe a aceitação das diferenças e dos conflitos. “São diversas as formas de fraternidade de acordo com os diversos Institutos. A vida de fraternidade pode ser muito difícil, mas é muito importante, é um testemunho.

Por vezes, há uma tendência ao individualismo que frequentemente é uma fuga da fraternidade. E a vida fraterna vivida mal, não ajuda a crescer. Mas com os Irmãos difíceis de conviver, como conciliar a misericórdia, a compreensão e a firmeza?”, perguntou o Papa.  E continuou. “Mas também nas melhores famílias se encontram membros em dificuldades”.

Francisco afirmou ainda que os conflitos comunitários existem:  não se pode sonhar com uma comunidade ou um grupo humano sem dificuldades, mas a comunidade deve tolerar os conflitos. “Às vezes, pode ser necessário um acompanhamento, sobretudo quando um coirmão está doente física ou mentalmente. Em qualquer dos casos, jamais devemos agir como gestores diante do conflito de um Irmão, a nossa caridade deve chegar a uma expressão de ternura para com ele. Não podemos evitar os conflitos e nem podemos estar diante deles como tolos, devemos ao invés, encará-los e permanecermos, com sabedoria, buscando toda forma resolvê-los. Certamente se nada muda, será necessário buscar outras soluções como mudar de comunidade ou buscar outra Congregação, mas tudo deve ser feito com ternura”, afirmou.

5. A relação entre a Vida Consagrada e as Igrejas Particulares

 A relação entre os Religiosos e as Igrejas particulares também foi tema da conversa do Papa com os Superiores. O Papa afirmou conhecer por experiência os possíveis problemas: “Nós Bispos devemos entender que as pessoas consagradas não representam somente uma ajuda material, mas são dons que enriquecem as dioceses. Os carismas enriquecem as dioceses. As dioceses precisam dos vossos carismas. A inserção diocesana das comunidades religiosas é tão importante como é importante que o Bispo reconheça e respeite os carismas delas. Os conflitos em geral surgem quando falta o diálogo”, sublinhou. E a este propósito o Papa fez referência a algumas das experiências vividas por ele, seja negativas ou positivas, quando era Bispo na sua diocese.

De acordo com  o Papa,  sobre este tema a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica estão preparando um documento  que pretende ser participativo.

6.     As fronteiras  da missão dos consagrados

Sobre a pergunta relativa às fronteiras da missão da vida consagrada, “estas devem ser procuradas na base dos carismas de cada Instituto”, respondeu o Papa. E continuou. “Não quero negar ou minimizar alguma fronteira, mas se deve discernir tudo segundo o carisma de cada grupo religioso”. Sobre esse tema recordou o superior geral da Companhia de Jesus, padre Arrupe, e da escolha que fez em favor da assistência aos refugiados. “As realidades de exclusão requerem as prioridades mais significativas, disse, mas também essas demandam discernimento”. Para ele, o  primeiro critério é enviar para essas situações de exclusão as melhores pessoas, as  mais dotadas. “São situações de maior risco que requerem coragem e muita oração e é  necessário que o superior acompanhe as pessoas empenhadas nesse trabalho”.

7.     A missão nas escolas e universidades

Paralelo a este desafio da marginalização, citou os desafios culturais e educativos nas escolas e universidades.  Neste setor, a Vida Consagrada pode oferecer um enorme serviço.

Segundo Francisco, os pilares da educação são: a transmissão do conhecimento,  transmissão dos modos de fazer as coisas, a transmissão de valores e, através destes, a transmissão da fé.  O educador deve estar à altura das pessoas que educa e interrogar-se como anunciar Jesus Cristo a uma geração que muda. E insistiu: “a tarefa educativa hoje é a chave, é a chave, é a chave”. Francisco ressaltou a preparação requerida para acolher em contextos educativos crianças e jovens que têm problemas, especialmente na família, lembrando suas experiências pastorais em Buenos Aires.  “Como anunciar Jesus Cristo a esses meninos e meninas? É necessário estarmos atentos para não dar-lhes uma ‘vacina contra a fé’, disse.

Antes de cumprimentar os cento e vinte Superiores Gerais  presentes, o Papa Francisco anunciou que 2015 será um ano dedicado à Vida Consagrada, e deixando a sala afirmou: Agradeço-lhes, agradeço-lhes por este ato de fé que tiveram neste encontro. Obrigado por aquilo que vocês fazem, pelo vosso espírito de fé e de serviço. Obrigado pelo vosso testemunho, pelos mártires que destes à Igreja e também pelas humilhações pelas quais devem passar: é o caminho da cruz, concluiu. (veja imagens)

Fonte: texto em italiano e imagens – vd.pcn.net – Tradução: Rosinha Martins

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