Combate ao tráfico de pessoas enfrenta “grandes retrocessos”, afirma religiosa

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Rede de enfrentamento ao tráfico humano fala sobre avanços e
retrocessos no combate ao tráfico de pessoas no Brasil.

Por Elisangela Cavalheiro

O combate ao tráfico humano avançou consideravelmente no Brasil após o lançamento da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, em 2006. Contudo, mesmo com as políticas públicas que surgiram após esse período, o país ainda enfrenta grandes desafios na perspectiva do enfrentamento dessa chaga social e na proteção às vítimas.

Irmã Eurides Alves de Oliveira, coordenadora nacional da ‘Rede Um Grito pela Vida’, iniciativa da Igreja no Brasil que atua contra o tráfico de pessoas na prevenção, atenção às vítimas e incidência politica através de diversas atividades, discute em entrevista essa realidade. A religiosa fala ao portal motivada pela celebração dos 10 anos da Rede neste ano.

Em sua fala, Irmã Eurides faz um balanço dos avanços e desafios das políticas públicas de enfrentamento e avalia a caminhada da Rede nessa realidade. Para a religiosa, o combate ao tráfico de pessoas enfrenta “grandes retrocessos” na atual conjuntura.

Confira a entrevista:

A12 – Da época de sua criação ao momento atual, como a Rede avalia os avanços na luta contra o tráfico de pessoas no Brasil?

Irmã Eurides – A partir deste contínuo, persistente e amplo trabalho de enfrentamento ao tráfico de pessoas nestes 10 anos da Rede, podemos sim com esperança elencar alguns avanços como: o ter conseguido colocar o tema em pauta na agenda da Igreja do Brasil, através da CF/2014, da criação do GT contra o Tráfico Humano e da Comissão Especial de Enfrentamento ao Tráfico Humano e ter contribuído para tirar o tema da invisibilidade.

Hoje, de acordo com a recente pesquisa do Data Folha sobre a percepção da sociedade brasileira sobre tráfico humano: 96/% dos entrevistados/as das cinco regiões afirmam a existência de tráfico humano no país, sendo que 82% avaliam que isto ocorre na sua cidade. Dado que evidencia que a população está mais atenta e perspicaz para a realidade.

Outro avanço tem sido o crescimento das denúncias; a participação dos membros da Rede nos núcleos e comitês estaduais de enfrentamento ao tráfico de pessoas e nos diversos espaços de elaboração e/ou monitoramento de políticas públicas, em muitos lugares fomentando a criação destes espaços; o intenso trabalho de prevenção nas escolas e comunidades, junto às juventudes tem contribuído para reduzir o ingresso de novas vítimas neste mercado do crime, bem como lançamento da semente de uma nova mentalidade quanto às relações de gênero, valorização do outro, quebra de preconceitos e consciência dos direitos e dos canais de denúncias. A sensibilização e compromisso de outras pastorais, organismos e entidades da sociedade civil com a causa, colocando o tema em suas agendas específicas; o trabalho em Redes e parcerias em âmbito nacional, continental e internacional, tem também possibilitado o resgate e reinserção de várias vítimas; e por último, a experiência de intercongregacionalidade que tem dado novo vigor profético às Congregações.

No tocante ao compromisso do Estado Brasileiro no enfrentamento ao tráfico de pessoas, há uma Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas estruturada em três eixos: prevenção, assistência e responsabilização. Existe ainda um plano nacional, com as seguintes linhas operativas: aperfeiçoamento do marco regulatório; Integração e fortalecimento das políticas públicas e redes de atendimento, capacitação, produção, gestão e disseminação da informação, campanhas e mobilização. Esse plano rege a criação dos núcleos e comitês de enfrentamento ao tráfico de pessoas a nível Nacional, Estadual e Municipal. Nacionalmente, como pasta do Ministério da Justiça foi criado o Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, o CONATRAP, um espaço importante, paritário onde a Estado e sociedade civil, podem refletir, propor e deliberar políticas públicas e a operacionalização do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de pessoas – PNETP. Ligado à Secretaria de Direitos humanos temos o serviço de Disque Denúncias (100 e 108) e são realizadas algumas campanhas de sensibilização e prevenção, como a campanha Coração Azul e outras.

São conquistas e espaços importantes, porém a precariedade está no funcionamento das mesmas. Em alguns estados e municípios existem os Núcleos e Comitês. Recentemente, depois de muita luta, tivemos a aprovação da Lei geral que dispõe sobre o tráfico de pessoas através do Projeto de Lei nº 13.344 de 06 de outubro de 2016.

A12 – Por outro lado, quais os retrocessos?

Irmã Eurides – Sim. Estamos sem dúvida em um momento conjuntural de crise e golpe democrático em que houve e há grandes retrocessos. Os Núcleos e Comitês de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas são conquistas e espaços importantes, porém a precariedade está no funcionamento das mesmas. Em alguns estados e municípios existem os Núcleos e não obstante as dificuldades de recursos humanos e materiais e o jogo político, com a pressão da sociedade civil tem funcionado, mas na maioria dos estados e municípios a política de enfrentamento é totalmente ignorada.

Vale ressaltar que se até o momento o compromisso do Governo tem sido frágil, neste cenário político de retrocessos, em que as pastas ligadas aos direitos humanos, das mulheres, das juventudes e da infância têm sido rebaixadas ao status de departamentos e vilipendiadas em seus orçamentos já reduzidos, a situação de inoperância política e agravamento das vulnerabilidades, violências e impunidades tendem a aumentar.

CONATRAP como espaço de debate e deliberação das ações e processos contra o tráfico humano foi praticamente extinto, pois em 2016, não houve nenhuma reunião. A aprovação da PEC 55, também é um grande retrocesso, porque incide diretamente na fragilização das politicas públicas e das oportunidades para as populações empobrecidas, sobretudo, as juventudes, que ficarão mais ainda à mercê dos traficantes. A politização da justiça e a impunidade, também tem sido um retrocesso, pois juízes têm se permitido a anular processos e inocentar culpados de crimes comprovadamente investigados, como a decisão do Juiz de Direito Fábio Lopes Alfaia do Tribunal de Justiça da Comarca Coari que anulou o processo contra Adail Pinheiro pelos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, proferido pelo Ministério Estadual (MPE/AM), legitimando assim a impunidade.

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Neste dia 8 de fevereiro, dia de Santa Bakhita (padroeira das pessoas sequestradas e escravizadas), realiza-se a Jornada Mundial de Oração e Reflexão contra o Tráfico de Pessoas promovida pela Rede Internacional da Vida Consagrada contra o tráfico de pessoas – Talitha Kum. Una-se a essa corrente de oração.

FONTE: A12

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