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Artigo: Sexta-feira da Paixão

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                                                                                                                                                             Ir. Zuleica Silvano,fsp*

Nessa sexta-feira da paixão, fazemos memória da entrega de Jesus. A morte de Jesus ressignifica nossos sofrimentos, por isso diante da cruz, confiamos, a Cristo, nossas preocupações, e a angústia de tantas pessoas.

Hoje, a Palavra de Deus, sintetiza o que significa chamar Jesus de Messias e Filho de Deus.
Jesus é o Messias servo, que carrega nossos sofrimentos, sendo o único mediador entre Deus e a humanidade, que por dar a sua vida é o rei universal, revelando, desse modo, a soberania do amor doado.

Nessa meditação, aprofundaremos algumas cenas de Jo 18–19, tendo como perspectiva o conflito entre as várias expectativas messiânicas e o messianismo revelado na morte de Jesus. Esse evangelho é perpassado pela glorificação do nome de Deus, por meio das palavras, das obras, e do martírio de Jesus.

De fato, a sua morte só pode ser compreendida como uma consequência de sua vida, de sua fidelidade ao projeto do Pai. Jesus não foi enviado para morrer pelos pecados, mas sim, para revelar o amor infinito do Pai, que foi rejeitado pelas autoridades. É bom termos presente, que, quando essa experiência foi escrita, já tinha sido absorvida e amorosamente meditada pela comunidade. Era uma dor ressignificada, e narrada com a finalidade de revelar o infinito amor de Deus por nós.

O relato da prisão inicia com o encontro entre Jesus e seus discípulos e as tropas e Judas. Nessa cena, aquele que é procurado para ser morto se oferece espontaneamente; ao assumir a morte, descortina a consciência de sua divindade e diante da total solidão de Jesus, quando pensamos que ele foi abandonado por Deus, somos surpreendidas com a revelação máxima da face amorosa do Pai.

Nesse episódio, Jesus também se preocupa com seus discípulos, pois sabe que eles ainda não estão prontos, pois não compreendem o real significado de seu Messianismo. Isso é claro, na atitude de Judas, que alimenta a visão de um messias guerreiro que viria instaurar um novo começo.

Nessa primeira cena, também podemos nos perguntar: Quais são as minhas expectativas messiânicas ou o que significa chamá-lo de Messias?

No segundo episódio, o evangelista faz uma fusão entre o interrogatório de Jesus diante dos sumos sacerdotes e as perguntas feitas a Pedro. De um lado, temos a coragem de Jesus, fundamentada em sua relação com o Pai, escancarando sua identidade como Filho e a confiança depositada em suas testemunhas. De outro lado, Pedro, uma testemunha, que mergulhado no medo, nega sua experiência de ter saboreado a presença de Jesus e a epifania do Reino de Deus.

A cena fecha com Jesus olhando para Pedro, com o mesmo amor do primeiro chamado, o olhar compassivo de quem entende a sua dificuldade, a dificuldade de ser discípulo de um Messias que será humilhado, e que desvelará a soberania do amor do Pai, na total impotência.

Olhar que o atraiu no início, que o fez deixar tudo e segui-lo.

Olhar benevolente de quem novamente deposita nele a confiança, mesmo após negar ser seu discípulo. Jesus também nos olha e olha a realidade ao nosso redor com compaixão.

No início do julgamento, diante de Pilatos, nos deparamos com a preocupação de Caifás, que não quer se contaminar ao entrar na casa de um pagão, mas não se preocupam em entregar um inocente para ser morto.

Nesse tempo de crise, também podemos ficar preocupados/as em não estarmos cumprindo com os preceitos religiosos e esquecermos dos vários cristos sem assistência médica, passando fome, sofrendo, sem ter como sustentar suas famílias, nem como sepultar seus mortos.
Nessa cena do julgamento transparece o contraste entre Jesus, que acolhe livremente o projeto do Pai até as últimas consequências e Pilatos que o rejeita totalmente.

No julgamento, Jesus se revela como Juiz, que não julga conforme nossos parâmetros, mas julga ao dar a vida pelos condenados.

Para preparar a manifestação de sua realeza, Jesus é levado a um lugar elevado, no qual o nosso olhar se dirige e nosso coração se enche de expectativas. Porém, o que presenciamos é um homem condenado, sem uma sentença específica, mas que fala de reino.

Aqui, somos surpreendidos com a manifestação do rei-Messias, na humilhação, na coroação de espinhos, no ser ridicularizado, no ser despojado, esbofeteado, na crucificação. É na total impotência que experimentamos a epifania do Reinado do Pai e a força de seu amor que salva.

Eis a realeza revelada na criatura humana em sua total miséria, eis o Filho de Deus que será condenado à morte, eis o Filho, livre em dar a sua vida.

Por fim, temos aqueles que compreendem o real messianismo de Jesus: quatro mulheres e o discípulo amado, que permanecem em pé, dando testemunho do que significa seguir o messias Jesus.

Eles não falam, mas expressa, por meio de seus gestos, olhares, silêncio, de sua solidariedade, o que significa ser discípulo/a do Mestre Jesus.

As palavras de Jesus, dirigidas ao discípulo amado e à sua mãe, não devem ser interpretadas como um mero cuidado filial, que já seria significativo, mas é o nascimento da Igreja. É aí, ao pé da cruz, que nasce e se fundamenta o povo messiânico, é aí, que ele encontra sua unidade.

A Igreja nasce do silêncio contemplativo desse discípulo e dessas mulheres movidas por uma única convicção: a entrega amorosa do Filho de Deus Crucificado, fiel ao projeto do Pai. Essa experiência será a força e o segredo da existência e missão cristã.

Na cruz, Jesus reina e ao abrir seus braços reúne toda a humanidade e a criação. Atraídos por seu amor transbordante, que a Igreja recebe o seu espírito, para dar continuidade a sua missão.

Crer no verdadeiro Messias é tê-lo como absoluto de suas vidas, mesmo em momentos em que a vida é posta em crise. É ter a ousadia de se deixar conduzir pela certeza de que Deus, por meio de seu Filho frágil, escravo, não nos salva dominando, mas nos liberta a partir da mais impensável impotência. Isso muda totalmente a nossa vida e nos leva a ter o esvaziamento de nós mesmo como fundamento de nosso agir.

Esse messianismo não incomoda somente Pedro e Judas, mas também cada uma/um de nós. Ele nos desestabiliza, questiona nossos critérios, nossas prioridades, nosso estilo de vida, pois é na fragilidade que o Messias nos espera, e é ali, no mais vulnerável, onde o Crucificado se colocou para nos revelar todo o seu amor e plenificar o nosso amor.

Deste modo somos convocadas/os a compreender o que significa seguir o Filho de Deus, que reina assumindo a morte e que manifesta sua glória na total impotência.
Ajuda a compreender que crer no reinado do Pai é tê-lo no centro de todas as realidades e confiar em seu amor na total desolação, sofrimento e morte.

É contemplar o cordeiro de Deus, o novo templo, a realização das profecias de Zacarias e o limite do amor, no corpo do crucificado, que por um golpe de misericórdia é perfurado e jorra sangue e água, sinal do amor transbordante, da vida que irrompe. Diante da morte de Jesus, e de nossa realidade, é muito fácil duvidar e termos a tentação de nos perguntar onde está Deus, será que o abandonou, será que nos abandonou?

Mas, Deus está lá, com Jesus, sofrendo com Ele. Deus não o abandonou e não nos abandona.

Diante da entrega do servo-rei Jesus, contemplamos as pessoas que doam e arriscam sua vida para que outras possam viver.

Das pessoas desfiguradas pelo cansaço, pela preocupação, por presenciar o sofrimento de muitos. Mas, também contemplamos um Deus que não é indiferente, insensível ao sofrimento da humanidade, um Deus que padece conosco, capaz de esvaziar-se por nós, um Deus comprometido com a vida.

Que nessa sexta-feira santa possamos carregar a certeza de que o amor vence a morte e que a vida vencerá. Termino com o poema de Benjamín Gonzalez:

Já a dor do povo atravessou minhas mãos e meus pés E incrustou sua obsessão de espinhos ao redor de minha testa.

E levo em meu lado uma ferida aberta pela qual entram em meu peito sem defesa o frio e os protestos que vagam pela rua buscando um coração onde abrigar-se.

Porque me abandonaste? Já não posso descer da cruz feita de povo. Pai, acolhe meu espírito em tuas mãos e ressuscita ao terceiro dia este mistério.

  • Zuleica Aparecida Silvano, fsp, religiosa da Congregação das Irmãs Paulinas. Ela possui licenciatura em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (1999), graduação em Teologia pelo Instituto Santo Inácio – ISI (2001), em Belo Horizonte, mestrado em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico – PIB (2009) de Roma e doutorado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE (2018), em Belo Horizonte. Pertence aos Grupos de Pesquisa: A Bíblia em Leitura Cristã (FAJE) e Bíblia e Interpretação: linguagens da Escritura (PUC-MG). É professora na FAJE, assessora no Serviço de Animação Bíblica (SAB/ Paulinas) e Centro Loyola (Belo Horizonte). É membro da equipe interdisciplinar da CRB.

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