A esperança como um sinal de profecia em tempos de pandemia

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Drª. Ir. Liliane Alves Pereira

Ms. Cristina Freitas Rodrigues

A presença da Vida Religiosa no ambiente hospitalar precisa transcender a um mero fazer, a execução de planos, tarefas e trabalhos, eles são intrínsecos ao exercício profissional, mas não é tudo. Agora a exigência é o que podemos oferecer além, o diferencial que está sob nossa tutela como pessoas consagradas. Não seria nossa profecia ou nossa resistência ou nosso testemunho capaz de ser sinal de esperança onde a dor, o medo e o sofrimento assolam tanto os que tem a missão de cuidar como aqueles que buscam esse cuidado?

O testemunho precisa ser acompanhado de outros traços importantes do ser cristão como nos diz São Paulo na carta aos Romanos 5,3b-6 “nós nos gloriamos nas tribulações, pois esta produz perseverança, que produz fidelidade comprovada e a fidelidade produz esperança e a esperança não engana, pois ela provém do Espírito Santo que nos foi dado”. 

Mas de que esperança falamos? Afinal o que é ser sinal de esperança? A palavra esperança provem do latim spes que significa ter confiança em algo positivo. A mesma raiz da palavra sperare(esperar) que para nós significa ter esperança(LAFER, 1996). Essa palavra nos remete a um estado de resistência ao inesperado, levando cada indivíduo a experimentar uma medida de força que em outras circunstâncias parecia-lhes improvável. Sob essa perspectiva a esperança é testada à medida da nossa exposição.

Adentrar na etimologia da palavra esperança objetiva perceber como o conceito de esperança sofre inúmeras mudanças, buscando sempre se adequar ao tempo atual, exigindo de nós ressignificados, precisando acima de tudo ser uma resposta para a sociedade, sobre a égide da confiança ou do esperar confiante, que vai além dos nossos méritos, mas exige movimento pessoal, abertura ao Espírito Santo, uma capacidade sempre crescente de esperançar.

Nossa fundadora Madre Madalena Damem (Fundadora das Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã) aponta-nos caminhos de esperança quando seu percurso exige confiança, recorda-nos que Deus proverá, é d’Ele a promessa que jamais nos abandonará. Ela, com seu exemplo de vida nos sinaliza que quando não é possível vislumbrar horizontes vastos, o titubear cotidiano faz-nos recordar o retorno da primeira viagem de Madre Madalena Damem ao Bispo de Liege: “Queridas filhas não percam a coragem, antes confiem na ajuda de Deus, Ele Proverá” (Hoster, 1864).

Aqui reside um fato importante de uma esperança profética, aquele que supera a seleção de pessoas, realidades e coisas. A esperança profética faz-nos acreditar que somos todos irmãos e irmãs e não é possível admitir escolhas desumanas, infiéis que não respeita a segurança dos mais frágeis, indefesos que entram nos hospitais em busca de alívio para sua dor e seu sofrimento.

A espiritualidade franciscana ensina-nos que é para ver todos como irmãos e irmãs é necessário a capacidade de esperar contra toda esperança é preciso ser sensível para perceber em tudo o cuidado terno e amoroso de Deus Pai e que faz de todas as criaturas irmãos e irmãs, sobre a ótica do cuidado. Mas, o que a esperança tem a ver com o olhar fraternal de São Francisco de Assis e a confiança de Madre Madalena? O que isso aponta para os sinais de esperança na missão da Saúde da Vida religiosa em tempos de pandemia?

O olhar fraternal de Francisco de Assis conduz o ser humano a perceber a sacralidade das coisas criadas e a capacidade que elas têm de revelar o rosto de Deus, um Deus Providente.  Para Francisco de Assis o mistério da criação não se fundamenta num passado mítico, mas alicerça na promessa de Deus, na confiança de que o Sumo Bem está sempre a nos (re)criar (HUBAULT, 2012). Essa consciência conduz o ser humano a um encontro sempre mais profundo consigo mesmo e com o seu criador e o coloca numa permanente esperança do que ainda a de vir à medida em que alarga seu coração para o amor.

Somos seres em constante mudança e o que nos coloca em condição de apontar caminhos de esperança é a nossa origem de seres desejantes, de pessoas criadas e recriadas sob o prisma do amor. Esse amor que nos faz confiar sempre que a missão da saúde é colaborar na obra da criação, é abraçar a condição de fragilidade do ser humano que vem a nós e fomentar nele a esperança de uma nova normatividade, de um novo tempo em que a potência da individualidade se estabelece a partir de uma nova norma (CANGUILHEN,2009).

Em tempos de transformação e adversidades rápidas, surge um sentimento denominado de resiliência na sociedade, que prevê adaptação à mudanças, tornando imperativo que cada Ser humano identifique fatores de vulnerabilidade e de proteção para que resista a estas modificações (PEREIRA, 2001). Desta forma, é necessário que cada indivíduo reconheça sua dor, perceba seu sentido e a tolere, até que os conflitos encontrem soluções e se dissolvam na esperança de dias melhores.

 E quando isso não for possível, ainda assim, é-nos permitido esperançar, é nos imputado testemunhar um amor que é eterno e que faz-nos abraçar a sacralidade que envolve o ser humano mesmo em sua condição de finitude, é sinal profético acolher o final de uma vida com qualidade, com reverência, com amor.

O ambiente de saúde busca constantemente ser sinal de esperança, pois de outra forma sua missão se esvaziaria de sentido. É a esperança impetrada nas paredes, silenciada no barulho dos aparelhos e intensificada nas mãos de todos os profissionais e espelhada nos olhos dos pacientes que buscam o serviço é que faz com que sejamos capazes de retribuir com a fé de que buscamos fazer tudo para a maior glória de Deus (RV), e com amor como, mandato firme d’Aquele que nos escolheu e nos destinou para ir e dar fruto e fruto permanente (Jo 15,16).

Existe ainda um outro caminho de esperança que deve ser sinalizado por quem se compromete a cuidar do outro, é o respeito a diferença. O outro que se nos confia sua vida têm experiências de vida diferentes da nossa, e a interculturalidade torna-se um caminho necessário e é um clamor urgente, pois no ato de cuidar não pode haver sobreposição ou subjugo de uma cultura sobre a outra, de uma crença sobre a outra, no ato de cuidar não cabe fazer acepção de pessoa, antes ele se fundamenta sobre o respeito, de onde nasce a esperança de um novo tempo (GITTINS, 2015; PEREIRA, FLORES, MACHADO, 2019).

Assim nosso sinal de esperança é, no contexto hospitalar e em meio a conflitos, ser presença carregada de sentidos para aqueles que nos são confiados dignificando o cuidado, sendo coerentes na assistência e humanizado nas relações interpessoais e interprofissionais para fazer valer o imperativo de Jesus Cristo para que todos tenham vida e a tenham em abundância (Jo 10,10), sem perder de vista  o legado de nossa fundadora Madre Madalena Damem “Deus é bom, Ele é muito bom, confia: Deus proverá”.

 

Referências

Bíblia Sagrada, Edição Pastoral, 34ª impressão, São Paulo, Paulus, 1999.

Canguilhem, G. O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.

Hoster, IL. Sanct Franciscus Blütengärtlein. Heythusen, 1864.

Pereira, A. M. S. Resiliência, personalidade, stress e estratégias de coping. Em J. Tavares (Org.) Resiliência e educação (pp.77-94). São Paulo; Cortez; 2001.

Pereira, LA; Machado, EM; Flores AND. A interculturalidade e o conflito interpessoal: o agir bioético do enfermeiro. Simpósio de Ensino Pesquisa e extensão. 2019.  UFN, Santa Maria RS.

LAFER, M. de C. N. “Os mitos: comentários”: Os Trabalhos e os Dias. 3ª edição. São Paulo: Iluminuras, 1996, p53-94.

 

Mini currículo

Liliane Alves Pereira (Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã). Bacharel em enfermagem pelo Instituto Doctum de Educação e tecnologia, mestre em enfermagem- pela Universidade Federal do Rio Grande, FURG-RS, doutora em enfermagem, pela mesma instituição, especialista em Assessoria Bíblica DABAR CEBI/EST. Atua como professora dos cursos de ciências da saúde da Universidade Franciscana e Diretora do Hospital Casa de Saúde de Santa Maria, RS.

Cristina de Freitas Rodrigues graduada em enfermagem pelo Centro Universitário Franciscano. Mestre em Saúde Materno Infantil pela mesma instituição. Responsável Técnica do Hospital Casa de Saúde de Santa Maria, RS. Membro titular Conselho Municipal de Saúde de Santa Maria, Membro Comitê Regional do Programa de Revitalização dos Hospitais Filantrópicos do RGS, Membro do Comitê de Qualidade do Hospital Casa de Saúde.

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