2020, um ano bomba

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Ao final de 2020, não será exagero afirmar que este é o ano em que uma “bomba atômica” caiu sobre a humanidade inteira. Ironicamente, o espectro da ameaça nuclear, grande pesadelo da guerra-fria, se cumpre mais de três décadas após a pulverização da União Soviética. A trajetória macabra da pandemia Covid-19 já soma mais mortos, infectados e afetados do que as bombas lançadas pelos Estados Unidos sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945, ao término da Segunda Guerra Mundial.

Os números se agigantam e assustam. No exato momento em que escrevo, a OMS-Organização Mundial da Saúde contabiliza cerca de 75 milhões de infectados pela doença em todo mundo, o que resultou na morte de 1,7 milhões de pessoas. No caso do Brasil, o número de contaminados já ultrapassou a cifra dos 7 milhões, enquanto as mortes passam de 185 mil. Inútil acrescentar que cada um desses números representa um nome, um rosto, uma história de vida em que os sonhos e esperanças foram brutalmente interrompidas. Tampouco será necessário recordar que cada partida precoce deixa uma família enlutada e, muitas vezes, sem sustento econômico.

De forma menos espetacular, sem a imagem cinematográfica dos “cogumelos apocalípticos”, o novo coronavírus – “inimigo invisível e silencioso, mas extremamente letal” – vem com sua foice afiada ceifando vidas trágica e precocemente. Mais do que isso! Deixa um rastro de medo, isolamento e luto que vem modificando comportamentos, laços e relações, ao mesmo tempo que redefine e reinventa novas formas de trabalho. Por quase todos os países, fecham-se fronteiras, caminhos, portas e oportunidades. Contemporaneamente, porém, abrem-se telas e janelas. Nem mesmo a intimidade familiar foi poupada.

Preocupa sobremaneira a atitude das autoridades políticas e sanitárias. O vírus da ideologia de extrema direita, fortemente marcado pelo populismo nacionalista e pelo negacionismo, parece difundir-se paralelamente ao Covid-19. Com isso, instalou-se uma perigosa dicotomia entre a saúde econômica e a saúde da população. Como se o cuidado com esta última, através de uma série de medidas de distanciamento social e quarentena, afetasse negativamente o crescimento da outra. No fundo, é o contrário que se impõe como via correta: uma população viva, saudável e sem o terror do contágio batendo nos calcanhares constitui a melhor e mais poderosa arma contra toda e qualquer crise econômica.

O binômio saúde e economia jamais podem ser dissociados. Uma move e se deixa mover pela outra. A saúde coletiva incrementa a economia e esta, por sua vez, acelera os avanços na área da medicina. Desnecessário acrescentar que ambas se entrelaçam e se complementam. Cuidar das duas simultaneamente consiste na primeira plataforma para um desenvolvimento humano justo e integral, de acordo com os princípios da Doutrina Social da Igreja. “O desenvolvimento é o novo nome da paz”, escrevia o então Papa Paulo VI na Carta Encíclica Populorum Progressio, publicada em 1967, como uma espécie de segundo capítulo da Gaudium et Spes, constituição pastoral do Concílio Vaticano II, de 1965.

Felizmente, após um trabalho científico sem precedentes, uma série de vacinas já estão sendo aprovadas e aplicadas em alguns países. Diferentemente dessas nações, entretanto, o Brasil mais uma vez sofre os efeitos de um negacionismo que, no confronto com o desfile de cadáveres e famílias enlutadas, chega às raias da perversidade. O Ministério da Saúde comandado por um general que não é um profissional do ramo, ao lado de um presidente da República que respira indiferença e ceticismo, nos faz temer pela possibilidade de um plano de vacinação ordenado e eficaz. Dessa maneira, não é de estranhar que se alastre entre boa parte da população o receio de que as consequências nefastas da “bomba atômica” se estendam pelos primeiros meses de 2021, como uma espécie de “radioatividade” que debilita, mutila e mata.

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM – Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 2020

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