Veja como foi o primeiro dia do Seminário “Sanando as Próprias Feridas”

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“Tolerância zero e humildade para o enfrentamento dos casos” – frase marcou o primeiro dia de seminário

“Um grama de prevenção vale mais do que um quilo de cura” (Cardeal Seán Patrick O’Malley)

Por Ronnaldh Oliveira, sdb

O Primeiro dia do Seminário “Sanando as Próprias Feridas”, promovido pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e a CRB (Conferência dos Religiosos do Brasil) por meio do Núcleo Lux Mundi foi iniciado nesta quinta-feira, 08 de abril, com reflexão e profundidade. Os temas foram traçados de forma clara, objetiva e sobretudo, eficaz.

Dom Walmor, presidente da CNBB e Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, enfatizou que a experiência do Congresso é bonita e testemunhal, onde, sem sombra de dúvidas, poderá facilitar e ser luz numa construção de uma resposta viável e concreta da Igreja nas dioceses, proporcionando segurança e tranquilidade às crianças, adolescentes e pessoas vulneráveis em todo o Brasil. Disse ainda o presidente da CNBB: “Somos cada vez mais convidados a mudarmos juntos essa página dolorosa que nos atinge, mostrando, como dizia o papa São Paulo VI – ‘A Igreja é perita em Humanidade!’ Saber cada vez mais cuidar, com olhar missionário, impulsionada pela Palavra de Deus que é sempre vida!”, recordou.

O Testemunho

Intensificando a concretude das palavras, transformando-as em vida, a noite foi iniciada com o testemunho de um jovem não identificado que relatou sua experiência a partir das dificuldades familiares: “Encontrei na Igreja um lugar onde não se havia confusão”. Contou que em um de seus passeios a um sítio, foi abusado por um sacerdote, com gestos simples, mas depois perdeu-se os limites. Desde o começo dos abusos percebeu que algo não estava certo. O que estava guardado internamente explodiu. Ali, revoltou-se com a Igreja: “Queimei minha batina de coroinha e até a Bíblia. Minha mãe sem saber o que aconteceu, me bateu tanto que fui parar no hospital. A partir disso procurei e me achei nas drogas. Elas não foram as piores causas, mas foram consequências de toda uma vida. Conheci numa palestra do Padre Aroldo, a Fazenda Esperança, onde iniciei com confiança o meu tratamento, com muito afeto, a partir da Palavra de Deus. A Fazenda esperança me ensinou e me deu novamente uma vida”, relatou.

O Cardeal – Somos uma Igreja a Caminho e firmes no enfrentamento das violências

A série de conferências foi aberta pelo cardeal Seán Patrick O’Malley, arcebispo de Boston, nomeado em 2017 pelo Papa Francisco para a Congregação da Doutrina da Fé; acompanha de perto a Pontifícia Comissão para a proteção aos Menores.

O Conferencista aproveitou do momento que envolveu mais de 450 participantes em uma sala de vídeo-chamada para partilhar acerca da produção cinematográfica “Spotlight: Segredos Revelados (2016)”, dramaturgia que expôs ao mundo a realidade de sua arquidiocese: “Um filme de grande dor, que ameaçou toda a vida católica. Hospitais, ações sociais, escolas católicas, etc. A Crise da Arquidiocese era moral e por consequência disso, tornou-se econômica”, recordou.

A partir de toda essa realidade que o assolou, enfatizou que cada vez mais não há desculpas para agir rapidamente diante dos casos de abusos sexuais na Igreja: “O Sofrimento das vítimas é grande e como consequência, a sua própria fé, sua relação com Deus e com a Igreja é dilacerada. A Instituição eclesial está sendo corajosa e cada vez mais persistente no combate a este mal humano que está dentro também de nossas comunidades. Papa Bento XVI e Papa Francisco compreendem a necessidade de tolerância zero para qualquer tipo de violência, mas sobretudo àquelas relacionadas as crianças, adolescentes e vulneráveis. Toda a nossa ação deve ser alicerçada no evangelho de Jesus Cristo! Devemos cada vez mais com coragem combater essas ações. As dioceses precisam de normas e procedimentos, pessoas destinadas a esse serviço de escuta, de orientações e acompanhamento. Há a necessidade de um processo educacional das dioceses em relação ao clero para que não encobertem casos ou improvisem ações na conduta das vítimas e agressores”, acrescentou o cardeal.

Cada vez mais acredita-se em um trabalho conjunto e interdisciplinar. Um conselho revisor que possa auxiliar o Bispo local na condução dos casos e que diante da sociedade, haja a compreensão de que a Igreja se preocupa e é a principal interessada no cuidado das vítimas.

“O Conselho existe para dar mais credibilidade às decisões tomadas e ao próprio Bispo que age em colegiado” Cardeal Seán Patrick O’Malley

O cardeal de forma objetiva enfatizou a dor, o caos e a confusão que acometem as vítimas: “A Comunidade eclesial sempre necessita estar disposta a reconhecer com humildade essa problemática que enfrenta e buscar meios efetivos para a resolução”, completou.

A conferência foi finalizada com os desafios, que segundo o arcebispo de Boston, a Igreja enfrenta hoje: A Transparência, a responsabilização dos delitos e a “tolerância zero”. “Se não fizermos isso, jamais recuperaremos a credibilidade diante dos fiéis. Nossas ações caritativas e espirituais serão cada vez mais excluídas e muitas pessoas sofrerão por culpa da própria Instituição. Essas ações quando não devidamente coordenadas anulam a voz profética da Igreja. É altamente necessário olhar para a cura e responsabilizar-se por ela, mas sobretudo prevenir que esses crimes aconteçam. Aqui em nossa comunidade eclesial, não há lugar no sacerdócio e na vida religiosa para aqueles que podem fazer mal aos Jovens. Um grama de prevenção vale mais do que um quilo de cura”, assegurou O’Malley.

A Policial – Não devemos jamais deixar de pedir perdão às vítimas

Teresa Kettelkamp é americana, policial aposentada e participe da Pontifícia Comissão de Proteção aos Menores. Exprimiu aos presentes no primeiro dia de Seminário um olhar sensível e firme diante dos casos. Oportunizou reflexões acerca de atos concretos em relação aos acompanhamentos e tratos com as vítimas, além de explanar sobre a Pontifícia Comissão de Proteção aos Menores.

Enfatizou que a missão da Pontifícia Comissão é oferecer e aconselhar o Santo Padre a partir de diretrizes e normativas a respeito da segurança de crianças e adolescentes:”Não somos um órgão de tomadas de decisão, mas auxiliamos o Papa na elaboração de estatutos, além de buscarmos colaborações a nível mundial”, destacou. Atualmente são nove membros participantes da comissão, entre eles, um brasileiro – Nelson Giovanelli dos Santos, mediador desta primeira noite do Seminário, Teresa convidou os internautas presentes a nunca olharem as vítimas como massa, mas sim de forma individualizada: “Cada um possui uma história, uma problemática, um momento da vida em que foi violentada. É necessário dar identidade, saber o nome, escutar, mais do que falar”, concluiu.

O abuso sexual é um ato que viola a dignidade e a autoexpressão do indivíduo. Perdendo o controle do próprio corpo, experimenta a impotência. Sentimentos como a raiva, fúria, depressão, autoflagelação, crença no abandono de Deus ou até mesmo da indignidade de seu amor são sintomas vivenciados pelas vítimas. Aqueles que são abusados pelos membros da Igreja são desafiados em seus laços espirituais com o Pai, com a Igreja. Há a necessidade urgente de um resgate, onde faz-se necessário olhar com atenção:

  • Circunstâncias em que o Abuso foi relatado
  • Grau psicológico em que se encontra a vítima
  • Idade em que o abuso foi denunciado
  • Impedimento físico em que se encontra a vítima.

Kettelkamp concretizou sua problemática através de exemplos, com diretivas básicas no que se refere ao trato das vítimas: “Quem recebe a denúncia, deve sempre reconhecer a coragem da vítima em partilhar a agressão e que o agressor não fará mal a ela e nem a ninguém que ama. Agradecer a confiança da partilha e afirmar que ela fez o certo em dizer. O importante não é perguntar detalhes, mas que as medidas sejam tomadas o mais rápido possível. É importante documentar a fala da vítima, sem banalizá-la ou descredibilizá-la e fazer o encaminhamento à instituições que possam ajuda-la”, afirmou a policial.

Sabendo também que a família é atingida pela violência, a Igreja deve favorecer em todo o processo de acompanhamento das vítimas, a cura. Experiências apontam que o trauma é amenizado em relação a comoção institucional quando quem conduz pede desculpas, perdão em nome da Igreja. “Não podemos cansar de pedir perdão às vítimas. A Igreja jamais pedirá perdão suficiente, mas não podemos deixar de fazê-lo”, acrescentou Teresa.

As vítimas precisam ser devolvidas a elas mesmas. Propiciar que elas escolham o local de partilha (o que querem contar, quem querem no ambiente) oportuniza novamente a elas o controle de suas vidas. Há a necessidade de criar uma cultura de encorajamento das vítimas para que falem, sem medo ou receio de sofrerem represálias.

Se somos de fato, seguidores de Cristo, somos todos corresponsáveis de combater essa dramática. Não existe o “isso não me toca!” Teresa Kettelkamp

Os Grupos – Mais do que enxugar gelo, é preciso prevenir!

Divididos em 20 grupos os participantes puderam partilhar no tocante ao que apreenderam das duas conferências. Problemáticas a partir da prevenção dos abusos, do real acompanhamento das casas de formação e seminários, dos encobertamentos de sinais duvidosos de candidatos ao sacerdócio ou aos votos perpétuos, do contínuo acompanhamento da Igreja diante das vítimas e dos próprios agressores.

Ao serem questionados em relação ao passado da Igreja sobre os abusos sexuais cometidos por seus membros, o cardeal O’Malley respondeu que muitas vítimas demoraram para se manifestar, por falta de coragem e medo dos processos: “Precisamos como instituição, aprender, escutando essas pessoas. Repetir o ato de contrição e de desculpas a elas. Quando falam, nos dão forças como Igreja para levarmos cada vez mais a sério essa ferida que nos aflige”, afirmou o cardeal.

A segunda pergunta, voltada à policial Teresa Kettelkamp, sobre a Igreja continuar sendo “luz” diante das feridas vivenciadas pelos membros violentados, ela respondeu que cada vez mais as dioceses precisam de clareza em seus protocolos, prestando cotidianamente conta deles, deixando as teorias e assumindo definitivamente as práticas: “Fazer o possível para incorporar a voz das vítimas no ministério da igreja. Só fazemos isso através da escuta. Faz parte do processo de cura escutar. Ao Executarmos esses procedimentos com transparência, curamos mais que uma pessoa, mas uma unidade inteira”, enfatizou.

Um terceiro grupo se pronunciou em relação ao funcionamento adequado das comissões diocesanas, O’Malley acredita que uma boa comissão formada por leigos comprometidos, profissionais da área da psicologia, acadêmicos, religiosos e sacerdotes podem, auxiliar melhor o bispo diocesano, e contribuir eficazmente na restauração da confiança dos fiéis: “Os leigos podem nos ajudar muito, sobretudo nos casos antigos em que a sociedade civil não pode fazer mais nada. A Igreja neste momento pode e deve fazer tudo o que estiver ao alcance. Dessa forma seguiremos dando respostas com transparência e honestidade”, concluiu o arcebispo de Boston.

Por fim, questionado a respeito do momento certo em que as autoridades civis devem ser avisadas, para que abracem junto ao direito eclesial as denúncias de abuso, o cardeal prontamente respondeu que deve ser imediato:Um crime como esse de abusos sexuais deve ser trabalhado em conjunto com as autoridades civis. Por mais que cada caso seja um caso, como igreja olhamos para a parte canônica, não podemos tratar o padre de forma civil. Por isso devemos recorrer as demais autoridades”, finalizou.

As demais perguntas foram enviadas para o e-mail institucional do Núcleo Lux Mundi e serão respondidas posteriormente. Esses e outros temas foram levantados por leigos, religiosos (as), padres e bispos que se fizeram presentes no primeiro dia do Seminário “Sanando as Próprias Feridas’”.

Download PDF DIÁRIO DE BORDO I – Sanando as Próprias Feridas

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