Ser jovem em tempos tenebrosos

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Maria Clara Bingemer

O Sínodo sobre a juventude aconteceu e com ele alguns jovens tiveram a oportunidade de estar inseridos no seio deste acontecimento eclesial e ouvir que a Igreja se preocupa com eles. Quer ouvi-los, captar seus desejos e aspirações, falar-lhes. Fazê-los sentir que nestes tempos tenebrosos que vivemos os jovens são o presente e a esperança de futuro.

É difícil ser jovem hoje em dia. A vida se torna cada vez mais difícil. As relações afetivas são voláteis e frustrantes. O futuro profissional inexiste e muitas vezes anos de estudo e preparação desembocam no lodaçal viscoso e repugnante do desemprego e das faltas de oportunidade.

Além disso, a violência que transforma nossa época em uma terceira guerra mundial em capítulos é uma ameaça constante à vida da juventude, sobretudo da mais pobre e vulnerável. No Brasil, os números são assustadores. Matamos perto do equivalente a uma guerra do Vietnam por ano. E as vítimas são em sua maioria jovens do sexo masculino, em sua grande maioria negros.

A essa juventude se dirigiu a Igreja Católica reunida em sínodo. E o documento final afirma que se procurou estabelecer um verdadeiro diálogo com a geração que hoje vive o que antes se considerava os anos dourados. Hoje já não se sabe se realmente o são. Tantas são as ameaças, as dificuldades, a falta de horizontes que as gerações anteriores, incluindo a nossa, presenteou a atual geração jovem.

Os padres sinodais afirmam ter tentado honesta e esforçadamente realizar uma escuta empática que evitasse respostas pré-concebidas e receitas prontas. Reconheceram que nem sempre a têm realizado e manifestaram o desejo de realmente fazê-lo. Porque – constatam – os jovens querem ser escutados, desejam ser ouvidos e que se lhes preste a atenção que merecem. Anseiam serem acompanhados por pessoas sensíveis e capazes, que possam ajudá-los em suas perplexidades e buscas.

O Sínodo confirmou sua intuição de que a juventude hoje, apesar de todos os problemas e dos contínuos estímulos a ela lançados pela globalização, a secularização e os desertos contemporâneos, ainda sente sede de Deus e busca uma espiritualidade. Talvez não busque tanto uma religião ou uma instituição, mas sim uma espiritualidade, algo que dê sentido à vida e ajude a viver. Por isso, a Igreja se sente estimulada a recuperar a importância do dinamismo da fé em seu diálogo com as novas gerações.

O documento também pede perdão pelos recentes casos de abuso por parte de pessoas da Igreja com tantos jovens e assume o firme compromisso de adotar rigorosas medidas de prevenção que impeçam a repetição de tão tristes acontecimentos, a partir da seleção e formação mais cuidadosa daqueles a quem serão confiadas tarefas de responsabilidade e educativas.

Parece-me que aí se encontra um dos pontos altos do documento. Já é mais que hora de falar a verdade aos jovens. É imperioso que a Igreja se mostre a eles e elas com sua verdadeira face. Sem filtros. Sem camuflagens. Trata-se da Igreja de Cristo, santa e pecadora. Nela os jovens deverão poder encontrar o brilho e o fulgor da santidade que é dom do Espírito Santo. Mas também poderão encontrar – e certamente isso ocorrerá – as sombras e as trevas das fraquezas e dos pecados que dão testemunho constante de quão humana é essa comunidade de homens e mulheres que se dispõe a seguir Jesus Cristo e anunciar seu Evangelho.

Uma Igreja que tem a coragem de mostrar-se tal qual é e de pedir perdão por erros cometidos terá muito mais credibilidade junto aos jovens. E será muito mais capaz de acompanhá-los em seus discernimentos e escolhas, acolhendo-os como mãe carinhosa, com seus defeitos e qualidades. Nessa relação sempre renovada pela verdade, poderá acontecer o diálogo da juventude com a Igreja. Sem falsos moralismos ou inverdades que matam a credibilidade e o diálogo.

O texto bíblico que permeia o documento como fio condutor é a belíssima passagem do encontro dos discípulos de Emaús com o Cristo Ressuscitado. Desolados e perdidos no caminho, os dois que partiam em direção a Emaús sentiam que a esperança lhes havia sido roubada. Tudo apostaram no Galileu de palavras de fogo e amor ardente e agora, com sua morte, o chão se abria sob seus pés.

O forasteiro os ouviu e caminhou com eles. Não lhes mentiu nem deu soluções fáceis. Mas explicou que o sofrimento e a morte fazem parte da vida humana, tal como os profetas já haviam dito. No entanto, Deus era maior que a dor e a morte e o demonstrara ressuscitando seu Filho que os homens mataram. O pão partido e partilhado foi o sinal desta vida que não morre. E os dois, que já nada mais esperavam, reconheceram o Senhor e reencontraram o sentido e a razão para viver.

Que assim seja com os jovens de hoje que esperam da Igreja palavras de esperança e luz. Tomara que esse Sínodo seja o marco de um novo tempo no qual as trevas possam ser atravessadas na esperança de que a palavra final para os jovens será o amor.

 

Maria Clara Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio, autora de de “Simone Weil – Testemunha da paixão e da compaixão” (Edusc)

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