Relatório do Ministério da Justiça sobre antifacistas

Compartilhe nas redes sociais

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no whatsapp
WhatsApp
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no telegram
Telegram

Parece coisa da ficção ou do 007: o Ministério da Justiça do governo brasileiro cria um tal de “relatório sobre servidores antifascistas” (lista, dossiê!). Seria boa matéria para a extensa obra A comédia humana, do escritor francês Honoré de Balzac. Para começar, uma administração que leva adiante semelhante iniciativa, explícita ou implicitamente, confessa o próprio pensamento de caráter fascista. Linha de pensamento que, entrelaçada com o integralismo de Plínio Salgado, o Estado Novo, de Getúlio Vargas, e a ditadura militar, traz à tona e tenta reciclar o que há de pior e de mais retrógrado na história recente do país.

Esse fio condutor procura alinhavar a década de 1930 com o regime de exceção de 1964 a 1985, desfraldando a bandeira da “Terra, Família e Propriedade”. Move-se em meio a trevas sombrias de um anticomunismo ultrapassado, que só assusta os iletrados contumazes. O mesmo vale para o famigerado lema “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Mais do que um combate a um inimigo real, trata-se de criar artificialmente, e difundir repetidamente, o medo de fantasmas, no sentido de legitimar o ódio e a difamação, o autoritarismo e a intolerância. Daí a manutenção de um pano de fundo onde predominam, de maneira igualmente artificial, a falta de transparência, a mentira travestida de notícia, associadas a uma confusão turbulenta, combativa e acintosa. A fumaça impede avaliar a proporção efetiva do incêndio.

Evidente que, onde os contornos são nebulosos e os fatos se misturam aos boatos, a penumbra substitui a luz do sol, criando um terreno fértil para o desfile de fantasmas. A noite costuma ser propícia às mais exóticas fantasmagorias. A face desfigurada desses espectros, rondando as casas e propriedades das pessoas de bem (e sobretudo de “bens”), torna-se um dos ingredientes indispensável para o fortalecimento da extrema direita, tanto em certos países da Europa, quanto nos Estados Unidos e no Brasil. Tais fantasmas adquirem características bem precisas, de acordo com os interesses pessoais, familiares, corporativos ou partidários de tiranos e ditadores. Nos relatórios sobre os antifascistas (lista ou dossiê!), isolada ou conjuntamente, podem ser classificados, como “vírus chinês, comunistas de esquerda, imigrantes e refugiados mesclados com terroristas, servidores que se opõem ao governo, jornalistas e intelectuais, cientistas e ambientalistas, artistas, ativistas”, enfim, todo aquele que ousa pensar, refletir e que, por isso mesmo, é capaz de formar um juízo crítico alternativo.

Os fantasmas nascem, crescem e se multiplicam, de modo particular, no decorrer das campanhas eleitorais. A busca da vitória nas urnas exige, entre outras coisas, a desqualificação do oponente. Na impossibilidade de confrontá-lo com argumentos racionais, devido à pobreza intelectual, apela-se para a fábrica de mentiras. O objetivo é transformar o adversário em inimigo – seja de Deus, da nação, do povo ou do bem… Por isso deve ser abatido a qualquer custo. Vencido o pleito, a fábrica de mentiras se converte em “gabinete do ódio”. Não é novidade, afinal, que os espectros são capazes de se metamorfosear, o que exige uma instância governamental para vigiar e controlar seus passos (ou voos, quem sabe!), suas palavras e escritos, suas posições políticas. Numa palavra, todo regime autoritário precisa ter à mão um “bode expiatório” para sacrificar no momento exato. Sobre ele joga-se a culpa por qualquer tipo de desordem social e política. Isso requer nutri-lo com requintes de crueldade.

Disso resulta que a prática policiesca da campanha tende a perpetuar-se durante o exercício do poder. O que vale especialmente para os mandatos passíveis de reeleição. É o que tentam Trump nos Estados Unidos e Bolsonaro no Brasil, com tempos diferenciados, mas com instrumentos e mecanismos semelhantes. Explica-se, dessa maneira, a obsessão de ambos pelo rígido controle das informações, venham elas através do FBI, da ABIN, da Polícia Federal ou, quem sabe, dos relatórios do Ministério da Justiça. O que importa é conhecer de antemão o que pensam, fazem e escrevem os opositores. Em cada um deles esconde-se um fantasma inimigo!

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM, Rio de Janeiro, 21 de agosto de 2020

Publicações recentes