O mito da liberdade de expressão

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Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs

“Liberdade de expressão não é liberdade de agressão”, disse em seu discurso de posse o atual presidente do TSE – Tribunal Superior Eleitoral, o Ministro Alexandre Moraes.

Parafraseando suas palavras, poderíamos acrescentar que, numa atmosfera de respeito aos direitos humanos, liberdade não se confunde com o direito de dizer e/ou fazer o que se quer, mas fazer/dizer o que contribui para o bem comum, para o bem-estar social do maior número de pessoas. Em outras
palavras, trata-se da liberdade de produzir e difundir aquelas ideias que possam contribuir para a construção do bem comum, ao invés de sua destruição. Não se trata de apagar a estrela dos demais para que a minha brilhe mais forte, mas de deixar que todas possam brilhar no céu do
livre arbítrio, indissociável da responsabilidade.

A liberdade de expressão – como, de resto, toda e qualquer liberdade – somente se sustenta num quadro de referências amplamente sólidas e aceitas que, de alguma forma, possam demarcar seus contornos. Liberdade sem esse conjunto de regras mínimas significa caos, libertinagem ou, no limite, selvagem barbárie.

Quando não há referências que orientem a prática da liberdade, cada um se elege como a referência última. O mundo passa a girar em torno do próprio umbigo, o que quer dizer, em termos práticos, a partir dos desejos, e interesses da pessoa, família, grupo, corporação. Não havendo leis a serem seguidas, eu me trono a lei! Daí, ao desconhecimento ou indiferença com a liberdade do “outro”, a distância é mínima. Pode ser superada através de um
salto fortuito ou perversamente arquitetado.

Quando liberdade equivale a cada qual fazer/dizer o que bem entende, fatalmente tropeçaremos, pisoteando, sobre a ação dos demais. Tampouco basta dizer, como se costuma ouvir com frequência, que “a liberdade de um termina onde começa a liberdade do outro”. Ocorre que, numa sociedade destituída de regras fixas e sem referenciais minimamente aceitos, a liberdade do mais forte e poderoso não tem limites, jamais termina. Ao contrário, atropela facilmente o cotidiano do pobre e frágil, vulnerável e excluído,
estrangeiro e marginalizado – cuja liberdade nunca começa.

A força do dinheiro, do poder, da influência e da intimidação, da mesma forma que a fúria de um rio de águas impetuosas, acaba por instalar a famigerada lei da seleção natural, na qual os mais robustos sobrevivem na exata medida em que eliminam os mais fracos. Resulta que, nas relações humanas de todos os graus e matizes, acabará prevalecendo historicamente o darwinismo socioeconômico e político.

Em lugar da liberdade de pensamento, de expressão e de ação, dissemina-se o monólogo das distintas bolhas.

No contexto da economia globalizada e de um individualismo cada vez mais exacerbado, a sociedade moderna ou pós-moderna tende a criar um imenso arquipélago de ilhas diversas e incomunicáveis, ligadas entre si por laços extremamente tênues, débeis, provisórios e momentâneos.
Bolhas isoladas entre si, cada uma respirando certo oxigênio tóxico, egoísta e egocêntrico. E cada uma, também, com uma linguagem única, de signos e imagens ininteligíveis e indecifráveis para os demais grupos/bolhas.

Destila-se assim o que se poderia chamar de uma narrativa típica, a partir da própria visão de mundo. Em semelhante caso, a política, a ideologia e a religião costumam determinar comportamentos e discursos. Disso resulta que cada bolha desenvolve um monólogo que representa justamente o inverso do
diálogo. De fato, enquanto este último pressupõe o encontro, o confronto de ideias, a depuração e purificação constante dos valores e expressões culturais, aquele permanece hermeticamente cerrado e imutável em suas “verdades absolutas”.

Cristaliza-se, pouco a pouco, uma espécie de pensamento único, o qual jamais se dispõe a trocar de ideia, até porque teme não ter outra para colocar no lugar. Das duas uma: ou predomina a falsa narrativa ou o vazio da ignorância.
Como o vácuo costuma ser insuportável por natureza, entram em cena as fake news. Elas é que nutrem de forma permanente a narrativa, por mais infundada que esta possa ser.

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM – São Paulo, 20/08/2022

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