Ir. Roselei Bertoldo, icm: “Situação gravíssima, caótica e trágica” no Amazonas

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“Situação gravíssima, caótica e posso dizer trágica” é assim que a Irmã Roselei Bertoldo descreve a situação vivida pela população ne Amazonas, em especial da capital, Manaus. A cidade vive o seu pior momento da pandemia do coronavirus, com o colapso no sistema de saúde.

A situação de Manaus é algo jamais visto. Assusta a todo o Brasil e pode ser o prenúncio do que pode acontecer em outros estados. Uma combinação de descaso do poder público e desobediência das regras sanitárias e distanciamento social geraram essa crise sem precedentes.

O resultado é o sistema de saúde colapsado, hospitais superlotados, falta de insumos básicos como oxigênio e o aumento expressivo do número de mortos – mortes que poderiam ter sido evitadas. Em decisões consideradas extremas, o governo local transferiu doentes para outros estados e decretou o “toque de recolher”.

“O número de falecidos já superou os meses de abril e maio de 2020. Nessa quarta-feira (15/01/21) foram 196 sepultamento, sendo que uma média de sepultamentos na cidade de Manaus é em torno de 20, 30. Imagine agora quase chegando ao número de 200” disse a Irmã Roselei.

E as Irmãs do Imaculado Coração de Maria vivem as angústias e sofrimentos com povo. Moradoras do bairro São Raimundo, as Irmãs veem da janela de casa o caos vivido na cidade. A residência das Irmãs fica próximo ao Pronto Socorro do bairro. Desespero pelo não atendimento, falta do oxigênio e a chegada e saída constante de ambulâncias são algumas das situações vistas pelas Irmãs.

Para explicar um pouco dessa realidade tão difícil, Irmã Roselei Bertoldo concedeu uma entrevista ao site da Congregação. Acompanhe abaixo!

População está em busca de cilindros de oxigênio. Foto: Rede Amazônica

Irmã Rose, acompanhamos apreensivos o forte impacto da segunda onda de Coronavírus em Manaus. Para além do que a mídia mostra, o que a senhora pode nos dizer?

Situação com relação ao a segunda onda do coronavírus, tanto em Manaus, como nas cidades do interior, é gravíssima, caótica e posso dizer trágica. Desde o início do ano, os números de internações e o número de pessoas contagiadas, crescem progressivamente. A gente tem visto a lotação dos hospitais, tanto da rede pública como da rede privada. Isso temos acompanhado através da Fundação de Vigilância da Saúde Pública do Estado do Amazonas. Os números são alarmantes! Nos primeiros 15 dias de janeiro de 2021, os números de casos já superaram os números do pico da primeira onda, sobretudo do primeiro pico, registrados em abril e maio do ano passado.

Cresceu muito a quantidade de pessoas contagiadas e internadas, sobretudo as internações que aumentaram significativamente. Tanto é que já não há mais lugar nos hospitais. As UBS’s que tem alguns atendimentos e que têm leitos, algumas já estão superlotadas. O número de falecidos já superou os meses de abril e maio de 2020. Nessa quarta-feira (15/01/21) foram 196 sepultamento, sendo que uma média de sepultamentos na cidade de Manaus é em torno de 20, 30. Imagine agora quase chegando ao número de 200. Também nesta quarta-feira, faleceram 26 pessoas em casa, sem socorro médico, que não procuraram ou procuraram as UBS’s e as unidades de saúde e não tiveram atendimento. Se não bastasse tudo isso, nos deparamos com o grande descaso por parte também da população, mas sobretudo poder público com as festas de fim de ano, de natal. Ali já era anunciado essa segunda onda. O estado e o município também não se prepararam para o atendimento nas unidades de saúde. Isso tem se agravado muito e está chegando o desespero de toda a sociedade, tanto que hoje, o decreto do governo cancelou todas as viagens de ônibus, sobretudo de embarcações para as 62 cidades do interior e para os outros estados próximos, tanto no meio fluvial como rodoviário. Diante dessa realidade caótica, o Estado está colocando agora as aeronaves e o exército para levar pessoas para outros locais, para outros estados onde tem possibilidade de atendimento. Podemos dizer que estamos numa situação de guerra frente a toda essa realidade, que tem abalado muito as pessoas. Se não houver o isolamento de toda a população, não vamos conter essa segunda onda. Teremos uma realidade muito dura pela frente.

Irmã, a comunidade da Congregação em Manaus fica em frente a um hospital. Da sua casa, o que senhora vê ou sabe sobre os atendimentos dos pacientes?

A nossa casa fica situada bem ao lado do SPA (Serviço de Pronto Atendimento) do São Raimundo. É uma unidade de saúde onde tem os atendimentos normais e de emergência. Está superlotado. Temos acompanhado a chegada e a saída constante de ambulâncias e o desespero das famílias que chegam até o SPA e não são atendidas pela questão da superlotação. Outa coisa que temos observado desde o início de janeiro, antes dessa segunda onda, é a vinda dos caminhões com os cilindros de oxigênio. Eles descarregavam uma vez por dia. Agora vemos de duas em duas horas, ou de três em três horas o caminhão com os cilindros chegando pra abastecer o SPA. E hoje (14/01), nos chama a atenção porque hoje cessou. Isso que significa que não está tendo mais os cilindros de oxigênio para abastecer o SPA. Isso é gravíssimo.

Outra coisa que também nos preocupa é que o Governo do Estado colocou viaturas da polícia nas unidades básicas de saúde. Policiais para conter as famílias que chegam e não são atendidas e acabam reclamando, fazendo a maior confusão pelo desespero de ver pessoas que estão morrendo bem na sua frente. Aí colocaram as viaturas – nós temos aqui duas viaturas fazendo plantão o dia inteiro – para conter essas famílias que trazem os doentes, chegam desesperadas e não são atendidos. Isso é muito sério. Essas viaturas estão espalhadas em todos os SPA’s, em todos os hospitais que fazem o atendimento. Isso é muito triste e não aparece nos meios de comunicação, nos jornais, mas está acontecendo.

Na primeira onda da Covid, a senhora estava de férias no Rio Grande do Sul, mas retornou no pico da primeira onda. Qual a diferença daquele momento com o que se vive agora?

Para mim a diferença da primeira onda do Covid-19 para a segunda, é que nessa segunda onda tanto o governo estadual, como municipal sabiam que isso aconteceria. Durante as festas do natal e final do ano, a população não teve os cuidados, muito pelo contrário, teve muita aglomeração. Isso fez o vírus se proliferar. Tanto estado, com o município, deveriam ter feito os hospitais de campanha, deveria providenciado para contratação de pessoal. Não temos mais profissionais de saúde. Os médicos, enfermeiros e atendentes estão adoecidos. Muitos estão de licença, estão em casa por motivo de doença, sem condições de trabalhar. As equipes que estão trabalhando estão esgotadas, isso também contribui para que os doentes acabem não tendo o atendimento que merece, o que causa um grande pânico na sociedade.

E a própria sociedade não está levando isso a sério. Eu tive que sair para ir para o médico ontem (13/01) e percebi que a cidade está bem mais vazia, mas ainda encontramos desrespeito às medidas de segurança, por exemplo, há comércios que estão atendendo a meia-porta. As pessoas ainda se não estão com a plena consciência que somente o isolamento vai contribuir para que essa segunda onda avassaladora possa a diminuir.

Ir. Roselei, a senhora também já foi infectada pelo covid-19. Como foi que viveu este momento?

A gente vive esse momento com muita dor. Eu que passei o Covid e todos aqueles que tiveram essa experiência sabemos que deixa sequelas gravíssimas na vida. A primeira é a dimensão física. Ficamos sem forças para nada, e aí vai adquirindo outras doenças. Outra dimensão que para mim está afetando mais é a emocional. Estou tentando não ler jornal, não ler muita coisa com relação a isso para que não piore essa dimensão emocional. Ficamos muito abaladas, porque as vidas que estão sendo interrompidas sem necessidades. São pessoas que estão morrendo, são pessoas conhecidas ou amigas que fazem parte da vida da gente. Por outro lado, temos feito uma grande corrente de oração com a comunidade, com as lideranças, com as pessoas amigas, via WhatsApp, redes sociais para que possamos nos fortalecer e ser força para as pessoas. Temos investido muito tempo no fortalecimento da oração. Tenho rezado muito. Estou em casa com a jovem Laila (vocacionada ICM), temos tirado esse tempo para estar em comunhão com as pessoas que estão doentes, sobretudo com os profissionais da saúde, para que tenham força. É o que a gente pode fazer para também tem se resguardar e manter o cuidado. Sabemos que a sequelas dessa doença são muito sérias, muito grave e que trarão muitas consequências também para nossa vida e para nossa missão.

Como a Igreja tem trabalhado nesse momento?

A Igreja de Manaus tem contribuído muito nesse momento difícil. Primeiro com a suspensão das celebrações presenciais, o que é uma medida extremamente necessária. Também temos mantido o diálogo com todas as comunidades. Os padres têm contribuído para com as Missas online e, em paralelo a isso, temos rezado o terço online, fazendo muitos momentos de orações. Antes da pandemia se intensificar, eu pessoalmente estava contribuindo levando a Eucaristia para algumas pessoas idosas. Lamentavelmente não posso mais fazer isso por conta do cuidado comigo e, sobretudo, com as outras pessoas. E agora, com o toque de recolher que o governo decretou, das 18 horas até 6h da manhã, não pode haver circulação de pessoas. Também as missas vão ser celebrada pelos padres, a partir de suas residências. Também nós continuaremos com as orações e ajudando dentro do possível, através das ligações, redes sociais e acompanhando as pessoas que a gente conhece e sendo essa força. Vamos intensificar isso nesses dias difíceis, até pedindo para as pessoas não olharem muito jornal, que mantenham o isolamento, mesmo sabendo que o isolamento para as famílias não é fácil. A grande maioria mora em casas pequenas e com muitas pessoas. Trabalhamos a essa dimensão do cuidado, das relações… é uma árdua missão, mas queremos que as pessoas se sintam mais tranquilizadas, confortáveis e seguras diante desse avanço desse vírus.

Quem está distante dessa realidade, como pode ajudar?

As pessoas que estão distantes podem ajudar mantendo isolamento, que fiquem em casa, não saiam e cuidem-se! Sobretudo, para essa realidade de Manaus, acho que a oração. Nesse momento, precisamos intensificar muito essa dimensão da oração. Outra coisa é que sabemos que as consequências serão gravíssimas. Quem sabe as pessoas podem fazer alguma economia, deixar algo de si para fazer doação para ajudar as outras pessoas. Uma das consequências do Covid-19 é a extrema fraqueza. As pessoas empobrecidas necessitam muito de alimentação, mas não é uma alimentação que seja só a cesta básica, elas precisam de proteína, precisam de vitamina, de medicamentos e sabemos que muitas delas não tem. Também pode haver doações até mesmo em dinheiro para ajudar as famílias que foram acometidas pelo covid.

APELO DA IGREJA

A Arquidiocese de Manaus e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil lançaram apelo por assistência aos que estão internados por covid e precisam de leitos e de oxigênio. A Igreja também pede doações. Saiba como ajudar:



Por: Magnus Regis | Assessoria de Comunicação

Foto: Rede Amazônica

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