Artigo: COM A PALAVRA A “BALA PERDIDA”

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Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs

– Pura mentira, senhoras e senhores, me chamam de Bala Perdida, nada mais falso,
muito pelo contrário, a verdade é que tenho origem e destino bem precisos:
na origem, há sempre um punho armado, e por trás da arma uma pessoa ciente do que faz,
com nome e sobrenome, fardado ou à paisana, de um lado ou do outro do tiroteio;
no destino não é diferente: há sempre alguém que, no dia-a-dia, nunca espera o pior:
a criança no colo da mãe, o jovem a caminho da escola, o trabalhador que volta para casa;
alguém no lugar errado e na hora errada, também com nome e sobrenome,
e que irá desencadear a destruição e o pranto de mais um grupo familiar.

– O grande problema, senhoras e senhores, é que me usam para os fins mais descabidos;
primeiro, há o interesse de semear o medo,  espalhar o medo, respirar o clima do medo:
o espectro da Bala Perdida leva a fechar os olhos, calar a voz, cruzar os braços, tenho o poder de neutralizar testemunhas, oposição e consciência crítica.
Por toda parte e ao longo dos séculos, o medo é a arma dos tiranos e déspotas, sejam esses poderosos que habitam palácios, ou marginalizados que habitam casebres; para uns e outros, o medo serve de instrumento para dominar ou extorquir; nada mais fácil de espezinhar do que um corpo, um grupo ou povo subjugado pelo medo.
Medo e terror são os sentimentos que melhor e mais rapidamente se partilham, mas são também aqueles que melhor e mais tenazmente paralisam e embrutecem.

– Depois, senhoras e senhores, a simples possibilidade da Bala Perdida serve às trevas, aos que por vias tortuosas e labirínticas, chafurdam na lama e no escuro:
pode ser o temido traficante do crime organizado, o soldado ou o miliciano, para não falar dos mandantes de paletó e gravata, Fulano, Sicrano e Beltrano, com nome e retrato no jornal, candidatos a municipal, estadual ou federal.
Corruptos ou corruptores, adultos a até menores, profissionais ou amadores, precisam do fogo de artifício da Bala Perdida para assaltar os cofres na surdina;
o espetáculo midiático, somado à explosão das redes sociais, desviam o olhar do juiz, enquanto a arquibancada aplaude, pois no dizer da canção “a plateia só deseja ser feliz”.

– Enfim, senhoras e senhores, a Bala Perdida não só gera, mas mantém o medo; ao contrário da embarcação que singra os mares orientando-se pelos astros, o medo navega somente na sombra mais absoluta, sob um céu apagado e silencioso; a transparência é sua maior inimiga, teme a luz como o diabo foge à cruz.
Melhor mesmo é legalizar, legitimar e naturalizar o medo – como algo inevitável!
Quando uma cidade, um país ou o mundo inteiro respira uma atmosfera de medo, a perseguição hostil ou a repressão ostensiva chegam a ser dispensáveis, pois um perigo às vezes indefinido e oculto, mas nitidamente palpável,
gera insegurança, tolhendo de todos e de cada um a capacidade de reação, e favorecendo, nos detentores do poder, toda sorte de mandos e desmandos.

– Sim, senhoras e senhores, a Bala Perdida acaba por naturalizar o medo, introduzindo-o na ordem das leis naturais, o que conduz ao fatalismo do destino.
Que fazer diante de um destino já traçado? Só resta aceitas as coisas como elas são!
Nada mais fácil de manobrar e monopolizar do que a massa cega pela fatalidade; Até mesmo o nome de Deus passa a ser usado para uma absoluta submissão.
Desafio dos desafios: como escapar desse círculo de ferro que amordaça a cidade?!…

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs – Rio de Janeiro, 29 de janeiro de 2020

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