Vocação de jardineiro

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Do ponto de vista social, cada um desempenha uma série de tarefas que se agrupam ao redor de uma determinada função. A lista é longa: cientistas e pesquisadores, médicos e enfermeiras, administradores e engenheiros, pedreiros e pintores, sacerdotes e advogados, lavradores e comerciantes, caminhoneiros e marítimos, professores e secretárias, e assim por diante. Já do ponto de vista existencial ou filosófico, todos temos uma vocação comum: a de jardineiro. Somos chamados a cuidar de um jardim em uma tríplice dimensão: a dimensão que relaciona a pessoa com própria formação, a dimensão que relaciona a casa com a família e a dimensão que relaciona o ser humano com a natureza.

O conceito de “cuidado” adquire aqui toda sua simbologia, magnitude e profundidade. Entre todas as profissões conhecidas, poucas se adaptam tão bem a esse conceito como aquela de jardineiro. Cuidar da terra, preparando-a periodicamente para o plantio; cuidar da semente, não deixando faltar os ingredientes que a fazem germinar e erguer-se do solo; cuidar da planta, para que não seja pisoteada e varrida pela tempestade; cuidar da flor, para que ela possa oferecer gratuitamente sua beleza e seu brilho. Aquele que cuida do jardim e aquele que cuida da vida caminham por veredas idênticas, tendo ambos em mãos um “cristal bonito que se quebra quando cai”, no dizer da canção. Mas o cuidado, por mais terno e meticuloso que seja, não impede o surgimento das ervas daninhas. Mesmo sem serem convidadas, elas invadem o jardim e ameaçam a saúde das plantas. Trigo e joio, nascem e crescem juntos. Entre as sementes, o inimigo joga a cizânia. Por isso é que as plantas são extremamente frágeis e delicadas. Expostas, por um lado, aos ventos e intempéries externas e, por outro, à agressão interna de doenças e espinhos. Daí a necessidade de limpar continuamente o terreno; de sustentar o caule ainda débil com estacas, que por algum tempo lhe servirão de muletas; de proteger o botão para que não murche antes de se abrir em suas mil variedades, cores e perfumes.

Costuma ser lento, paciente e laborioso o processo de desenhar o jardim, escolher e selecionar as espécies que haverão de fazer parte da família e colocar o plano em ação. Está em jogo uma opção criteriosa sobre o que cultivar em nosso jardim, tanto em termos pessoais e familiares, quanto em termos sociais, políticos e culturais. Se é verdade que “quem semeia vento colhe tempestade”, também é certo que “quem semeia carinho colhe plantas e flores de paz”. O jardim torna-se belo, dinâmico, plural e multiétnico em seus valores. Improvisamente, porém, às vezes aparecem vírus, pestes e epidemias que debilitam cada planta, trazendo consigo o risco de contágio e a morte. Neste caso, o cuidado do jardineiro deve ser redobrado e sem trégua. Onde encontrar anticorpos fortes e efetivos para combater o ataque inesperado? Que medicina pode ser utilizada contra o avanço inexorável do mal? Como defender as plantas sadias daquelas que, irremediavelmente, já foram contaminadas?

A pandemia do Covid-19, ao conduzir-nos ao isolamento e à quarentena compulsória, ajuda-nos a redescobrir formas criativas de como “cuidar do jardim”. E convém ter em conta a tríplice dimensão do cuidado. Como resgatar e ressegnificar os valores religiosos e éticos, morais e culturais de nossa formação pessoal e única? Como recuperar os pontos positivos da tradição dos antepassados, no sentido de transformar nossa casa em um verdadeiro lar onde a chama do amor aquece e fortalece a família? Como levar em conta um novo convívio entre a humanidade e a natureza, baseado não mais no domínio da segunda por parte da primeira, e sim no cultivo do planeta como fonte de toda e qualquer forma de vida, da biodiversidade? Como aprofundar o empenho de pessoas, grupos, igrejas, movimentos sociais, instituições, organizações de base, governos e autoridades internacionais – num mutirão global pelo cuidado com a “nossa casa comum”? Desnecessário sublinhar que as três dimensões interagem uma com a outra, mesclando-se e complementando-se na travessia pela vida em plenitude.

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM – Rio de Janeiro, 8 de maio de 2020

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