Vida Consagrada busca novos caminhos na Amazônia

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por Jaime C. Patias, imc

“Algo novo está nascendo na missão neste chão”. Movidos por este sentimento, 90 representantes de 30 congregações com projetos na perspectiva Pan-amazônica estiveram reunidos para construir laços de comunhão e fortalecer a missão. A programação do encontro realizado nos dias 20 a 24 de abril, na cidade de Tabatinga (AM), tríplice fronteira entre o Brasil, Colômbia e Peru, abriu com uma oração inspirada em diversos símbolos da realidade. A diversidade dos povos e a harmonia da biodiversidade foi bruscamente quebrada pelo ruído de um motosserra que invadiu a assembleia abrindo troncos e assustando as crianças reunidas em círculo. A encenação mostrou as ameaças do grande capital que destrói a floresta, polui os rios, invade as terras e expulsa as populações originárias de seu habitat. Essa triste realidade foi denunciada pelo Papa Francisco em Puerto Maldonado no Peru, quando se dirigiu aos povos indígenas na abertura dos trabalhos de Sínodo para a Amazônia, em 19 de janeiro de 2018. “Provavelmente os povos originários amazônicos nunca estiveram tão ameaçados nos seus territórios como estão agora. A Amazônia é terra disputada em várias frentes”.

Para mostrar a diferença, Francisco já havia notado que “a Igreja não está na Amazônia como quem tem feito as malas para sair depois de explorá-la. Desde o início está presente nela com missionários, as congregações religiosas, sacerdotes, leigos e bispos, e sua presença é essencial para o futuro da região” (Rio de Janeiro, 27/07/2013).

Estas reflexões do Papa servem para destacar a importância da Igreja na atual conjuntura amazônica.

O encontro em Tabatinga foi promovido pela Rede Eclesial Pan-amazônica (REPAM) e pela Confederação Caribenha e Latino-americana de Religiosos e Religiosas (CLAR). “A Amazônia e seus povos são fonte e vida para nossas congregações”, explicou o padre Fernando Lopez, jesuíta que há 20 anos faz parte de uma Equipe Itinerante na tríplice fronteira. A realidade aponta para a “intercongregacionalidade e interinstitucionalidade na missão em uma territorialidade conectada. A nossa presença na Amazônia é fermento de renovação dos nossos carismas. Essa missão nos faz voltar às fontes de nossas fundações”, avaliou. Padre Lopez destacou eventos impulsionadores da missão na Amazônia, tais como o Pontificado de Francisco, a criação da REPAM, a Encíclica Laudato sì, o Sínodo especial para a Amazônia, os diversos encontros e processos.

Equipe Itinerante

Ganhou destaque a experiência da Equipe Itinerante na tríplice fronteira (Brasil, Colômbia e Peru) idealizada pelo superior dos jesuítas na Amazônia, o Pe. Cláudio Perani, que em 1998 assim orientou um grupo de missionários. “Andem pela Amazônia e escutem o que os povos falam: suas demandas e esperanças, seus problemas e soluções, suas utopias e sonhos. Visitem as comunidades e aldeias, as organizações e igrejas, participem da vida cotidiana do povo. Observem e registrem tudo cuidadosamente. Anotem as próprias palavras do povo. Não se preocupem com os resultados. O Espírito irá mostrando o caminho. Coragem! Começam por onde possam”. Estas palavras são muito atuais e lançam luzes para a presença na região.

Segundo Fernando Lopez, a Amazônia oferece um grande prato para articular três serviços: o institucional (continuidade e estabilidade), a inserção (processo de encarnação e proximidade) e a itinerância (conectividade e inclusão). Esses três serviços são representados terra firme, a várzea e os rios da Amazônia.

A primeira inspiração de itinerância vem do próprio Jesus que andava de aldeia em aldeia para chegar aonde ninguém vai. Por isso a necessidade de dar visibilidade às experiências de itinerância que fortalece as espiritualidades das congregações. Mas o grande desafio é a formação de novos missionários e missionárias.

Sínodo para a Amazônia

Impossibilitado de viajar para Tabatinga, o presidente da REPAM, cardeal Cláudio Hummes enviou mensagem de incentivo: “Considero muito importante e promissor este encontro visto que a situação da Pan-amazônia grita por socorro. O Papa Francisco está ouvindo esse grito e por essa razão ele decidiu convocar o Sínodo especial para a Amazônia. Todos nós que já estamos na região em vista da evangelização estamos muitos felizes por esta decisão. É o Espírito Santo que nos convoca. A preparação do Sínodo já está em curso, vamos todos colaborar. O Sínodo poderá ser um evento histórico que vai construir novos caminhos para a Igreja e para a uma ecologia integral. Agradeçamos a Deus este kairós que Ele concede à Igreja missionária e peçamos que nos ilumine e dê a todos a coragem necessária de não ter medo do novo”.

O secretário executivo da REPAM, Maurício Lopez, único leigo na Comissão pré-Sinodal, destaca a importância do processo do Sínodo para a Igreja na Amazônia. “É uma das formas de colocar em prática a Encíclica Laudato sì. Neste caminho a REPAM joga um papel fundamental”. Mauricio explica que com o documento pré-sinodal que traz uma série de perguntas, estão previstas 45 assembleias, consultas e fóruns temáticos internacionais. “Amazônia, novos caminhos para a Igreja e por uma ecologia integral, é o tema do Sínodo. O Papa mostra que está atento ao cominho de preparação e agradecido a todos. Ele tem muita esperança neste Sínodo. É um apelo para mudar esse modelo econômico de morte e de descarte para uma cultura do encontro. Por isso ninguém pode ficar fora da ecologia integral e por tanto, do Sínodo. Tudo está interligado”.

Visita missionária

No domingo, 22, os participantes do encontro organizados em 10 grupos estiveram em 10 comunidades ao longo do Rio Solimões, no Brasil, Colômbia e Peru. A experiência de Igreja em saída para encontrar os rostos amazônicos é resumida pela Irmã Maria Dolores Mora, da Companhia Santa Teresa de Jesus. “Eu me senti obrigada por Jesus a entrar na barca para passar à outra margem. Navegamos pelas águas e caminhamos durante quatro horas para encontrar o povo das comunidades. Fiquei comovida e animada. É louvável que não perdem a capacidade de resistência, a solidariedade e a esperança”, relatou.

Em mais um banho de inserção, as lideranças indígenas, Eufracia Kuyuedo e sua filha, Anitalia Pijachi Kuyuedo, levaram os participantes a experimentar a dança, a espiritualidade e a comida do povo uitoto na Colômbia. A dinâmica destacou a acolhida e reciprocidade em dar e receber, uma das marcas das culturas indígenas. “Essa relação de proximidade ajuda a transmitir os valores fundamentais às novas gerações principalmente a unidade da família e o valor da mulher garantindo a continuidade dos povos”, explicou Anitalia.

Segundo a Irmã Maria Inês Vieira Ribeiro,mad,  presidente da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), “está nascendo uma nova teologia da Vida Consagrada a partir da Amazônia. A diversidade de carismas se enriquece com a espiritualidade encarnada na Amazônia”.

Na opinião da vice-presidente da CLAR, a Irmã Luz Marina Valencia, o encontro de Tabatinga “representou um impulso para a articulação da Vida Consagrada na Região. Foi muito fecundo com muita vida iluminada pelo relato bíblico da Visitação que dará bons resultados”, avaliou a religiosa.

O bispo da diocese do Alto Solimões, Dom Adolfo Zom, SX, celebrou a missa de envio. “Viver neste chão é uma oportunidade para sentir a presença de Deus. Quando trabalhamos juntos, buscamos juntos, nos preocupamos juntos, sentimos algo novo nascer. Por isso que essa oportunidade realiza o sonho de Deus que está encarnado nesta realidade”, refletiu o bispo missionário Xaveriano. “Espero que este encontro seja uma cutucada para todos nós. Que seja o primeiro empurrão para sermos protagonistas neste Sínodo que não é somente para os bispos. Todos estamos convocados a participar”.

A participação do IMC

Estiveram em Tabatinga, quatro missionários da Consolata: os padres Fernando Florez (Peru), Joseph Musito (Roraima), Jaime C. Patias, Conselheiro Geral para América e o diácono Luiz Andrés Restrepo Eusse (Equador). A irmã Maria Teresa, missionária da Consolata em Roraima, também participou.

No território amazônico os missionários da Consolata estão presentes no norte do Brasil, na Colômbia, Equador, Peru e Venezuela. Ao partilhar o caminho dos 70 anos de presença na Amazônia (1948-2018) foram recordados os 50 anos da morte do P. Giovanni Calleri (1968), os conflitos, perseguições e ameaças, bem como as alegrias conquistas. Hoje são três as experiências significativas que lançam luzes para o futuro da missão: o trabalho na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (Roraima), a Missão Catrimani e o Centro de Documentação Indígena (CDI) em Boa Vista.

Para uma congregação que tem em seu DNA a missão ad gentes é impossível estar no Continente Americano sem colocar os pés, o coração e a cabeça na Amazônia. Ao longo dos anos, aprendemos a caminhar com os povos indígenas, com suas esperanças e lutas, alegrias e conflitos, rompendo fronteiras e nos articulando como território em espírito de continentalidade construindo rede com outras congregações e organizações a fins. Estamos convencidos de que este caminho nos torna mais fortes e efetivos. A missão libertadora na Raposa Serra do Sol e a missão encarnada do Catrimani, exige missionários enamorados da causa indígena. Fica o desafio de manter viva essas duas experiências que dão visibilidade ao carisma herdado do Bem-aventurado José Allamano.

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