Um menino mimado chamado Trump

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Donald Trump representa o menino mimado que muitas famílias conhecem bem de perto. O rei e senhor absoluto do ambiente familiar. Daqueles que nunca receberam um “não” no decorrer da vida. E quando por acaso o recebem, batem o pé, agridem, gritam e esbravejam – até que conseguem o que querem. Para o bem ou para o mal, sempre terão seus caprichos satisfeitos de maneira pronta e imediata. Seus desejos, impulsos e interesses, por mais estapafúrdios, estão acima de qualquer coisa. Não podem ser negados nem esquecidos. São capazes de criar uma tormenta doméstica só para serem atendidos em seus mimos mais bizarros. A chantagem é sua arma predileta. Com ela brigam, vencem e ultrapassam qualquer barreira imposta pelos adultos. Constituem o centro da família e da casa em tempos de pós-modernidade.

Branco e rico, macho e machista, bruto e grosseiro, mal-educado e arrogante, racista, autoritário e supremacista – mesmo quando não dispõe da aptidão para a liderança, será sempre o chefe incontestável do grupo. Costuma também ser o dono privilegiado das novidades e brinquedos mais cobiçados. Será até capaz de partilhá-los com os irmãos, os primos, os amigos, os vizinhos e coleguinhas de rua.  Mas se e quando, por qualquer motivo, se vê contrariado, sem mais nem menos, retoma o brinquedo emburrado de raiva e corre de volta para casa, ao abrigo da proteção maternal ou paternalista, sob a qual nasceu e cresceu..

Enquanto tudo isso acontece durante o período da infância, os estragos não oferecem danos mais graves. Quando muito, podem criar uma atmosfera ruidosa e beligerante na família ou na vizinhança. O problema é que tais atitudes prepotentes costumam avançar pela adolescência e a juventude. Por vezes, de forma doentia, mórbida ou patológica, desembocam na vida adulta. E então, as consequências podem envolver outras famílias, a rua inteira, o bairro, a cidade ou mesmo a sociedade. Pior ainda se estiver em jogo o uso de drogas e relações amorosas. Nestes casos extremos, não serão raras as passagens pela delegacia ou as reportagens nas páginas policiais do noticiário. Tampouco serão raros os finais dramaticamente trágicos e letais, onde as vítimas em geral são as crianças e as mulheres.

O conceito equivocado de liberdade –entendida como “fazer o que se quer” – quando navega em dinheiro abundante, significa a ruína de não poucas pessoas, casas, grupos ou associações. Disso resulta a necessidade urgente de retomar, de modo particular na sociedade contemporânea e laxista, o direito e o dever de impor limites desde o berço. Sem isso, estaremos gerando os “reizinhos” que, mais tarde, irão espalhar tempestades a seu belo prazer. Aliás, com o andar da carroça, a tarefa de impor limites, declarada ou sub-repticiamente, foi retirada dos ombros dos genitores, sem que qualquer outra instituição os substitua. Creches, escolas e igrejas nada podem fazer, sob a ameaça de atentar contra a integridade física e moral das crianças. Sem falar da possibilidade sempre presente de abuso de autoridade e outras coisas piores.

Considerados os parágrafos precedentes, o que podemos dizer de um “menino mimado” que se torna rei e senhor não mais de uma casa/família, porém, é alçado ao trono da maior potência econômica mundial? Acumula, além disso, o privilégio de ter herdado uma fortuna milionária e de viver como magnata e proprietário de bens incalculáveis. Evidente que, em semelhante caso, os erros e estragos serão inumeráveis e gigantescos, na proporção direta à uma influência hoje globalizada. Influência que notoriamente sofre de toda ambiguidade, podendo ser positiva ou perniciosa. A regra é simples e conhecida: quanto mais alto a pessoa se eleva nos degraus e instâncias do poder hierárquico, maior o bem ou o mal que pode causar.

No caso do presidente dos Estados Unidos, o brinquedo desde agora deixa de ser uma simples e inocente bola, um carrinho eletrônico, um videogame ou a fantasia dos super-heróis Batman, homem aranha ou capitão América… Passa a ser o poder praticamente absoluto sobre a indústria bélica de maior potencial mortífero, incluindo as famigeradas armas nucleares; a emissão de gases de efeito estufa, tendo como consequência direta o aquecimento global, o derretimento das geleiras e a elevação do nível dos mares; o jogo da geopolítica em termos planetários, o que implica riscos imprevistos e imprevisíveis; o destino incerto de milhões de sonhos e esperanças dos migrantes e suas famílias; além do embargo e da retaliação sobre as demais economias.

Como todo ditador, aparenta uma força externa para dissimular a fraqueza interna. Forte e fraco, sofre de crônica ansiedade, fazendo sofrer devido a essa ambiguidade sem cura. Nele, o poder tem sempre duas caras: o autoritarismo para com os frágeis é a contraface da subserviência para com os poderosos. Conclui-se que da mesma forma que o menino mimado não suporta receber uma resposta negativa, o adulto infantilizado não aceita em hipótese alguma perder a corrida eleitoral. Um é capaz de derrubar a casa para não ver seus desejos frustrados, ao passo que o outro não hesitará em levar o país ao caos e ao extremo da polarização para não ter de engolir uma derrota.

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM – Rio de Janeiro, 6 de novembro de 2020

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