Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
Vimos como nestes dias o comediante televisivo Volodymyr Zelenskiy, de apenas 41 anos, ganhou as eleições na Ucrânia com mais de 70% dos votos. O ilustre desconhecido saiu vitorioso na corrida eleitoral à presidência devido sobretudo ao descontentamento da população com o veterano Petro Poroshenko. Na falta de uma alternativa viável e robusta, prevaleceu a vitória do voto negativo, da recusa à ordem vigente. O fato não é novo, nem se limita aos países do leste europeu. Algo dessa “escolha” motivada pelo descontentamento já é conhecida em outros países. Dois exemplos: Itália e Brasil. Entre nós, o deputado federal Tiririca – Francisco Everaldo Oliveira Silva – pulou da comédia para a política com uma votação estridente. Na Itália, Giuseppe Piero Grillo é líder incontestável do Movimento 5 Estrelas, que hoje divide o poder com a Lega de Matteo Salvini.
O descontentamento generalizado, entretanto, provoca saltos mais perigosos e perniciosos. Também neste caso, por falta de uma alternativa político-econômica mais convincente, a “escolha” recai sobre personalidades no mínimo exóticas. Os exemplos aqui podem ser os Estados Unidos, de um lado e, do outro, novamente o Brasil. No país do tio Sam, Donald Trump chegou à Casa Branca evitando debates abertos e transparentes, ao mesmo tempo que se comunicava prevalentemente pelas redes sociais. Idênticas palavras podem ser aplicadas à eleição de Jair Messias Bolsonaro ao Planalto do Planalto. Também ele se mostrou evasivo e lacônico no confronto direto, o que contrasta com frequência da comunicação pelo Twitter. Nota-se que a simplificação de questões complexas, através das redes sociais, é própria de um novo tipo de autoritarismo em voga.
Em todos os casos acima elencados, constatam-se dois aspectos preocupantes para a saúde e o futuro da democracia. Vale destacar dois sintomas de que ela está tomada por bactérias nocivas. Em primeiro lugar, verifica-se uma aversão não tanto à prática política em si, e sim ao processo democrático de exercê-la. Disso resulta a tentativa de criminalizar as demais instâncias que formam o Estado, tanto os órgãos do poder executivo quanto o poder legislativo, formados pela Câmara e Senado. Daí as rugas, os ruídos, as intrigas. Os rumores e os mal-entendidos com representantes de outras esferas administrativas. Ao poder autoritário não costumam agradar nem a reflexão nem a argumentação. Tende a dominar com palavras de ordem!
Em segundo lugar, um rápido olhar sobre as eleições nos Estados Unidos, no Brasil, na Itália e na Ucrânia – para não falar de outros casos igualmente emblemáticos – revelam uma grave falta de lideranças, seja em termos nacionais ou regionais, seja em termos globais. Não se trata de uma falta de espetáculo e fogos de artifício (isso existe em abundância), mas de estadistas conectados e comprometidos com as necessidades e urgências básicas da população, de maneira particular com os extratos de baixa renda. Faltam personalidades políticas que sejam capazes de descer de suas visões ideológicas, pisar no chão duro, úmido e escuro por onde caminham os cidadãos, interpretar suas aspirações mais profundas e, com tais instrumentos, criar canais e mecanismos de participação popular em vista de novas políticas públicas.
Esse descompasso entre os eleitos e a nação verdadeira só faz aumentar após a vitória. A tendência é ouvir não tanto as instituições democráticas, os movimentos, associações, por exemplo, e sim o grupo das redes sociais. Governar a partir delas equivale a privilegiar o corporativismo, marca registrada das oligarquias e autarquias. No caso do Brasil, contamos com um agravante: a presença ausente de Olavo de Carvalho. Ao intrometer-se nos bastidores da política real (e virtual), vem criando fissuras que já aparecem como rachaduras no interior do próprio governo. Entre o mago da Virgínia e os representantes do clã Bolsonaro, não é ocioso perguntar quem detém efetivamente as rédeas do poder. Que rota e horizonte a direcionam?
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs – Rio de Janeiro, 23 de abril de 2019