PRANTO NA FRONTEIRA

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Maria Clara Lucchetti Bingemer

          Que som é esse, triste, rouco, desesperado?  De onde vêm esse pranto, esses soluços, essa tristeza infinita?  Que palavras são essas, repetidas como mantras, incessantemente, tristemente, obstinadamente?  O que dizem, a quem chamam, de que bocas saem?  São dezenas, centenas, milhares de crianças.  Vêm de Honduras, Guatemala, El Salvador ou qualquer outra parte da América Central ou de outro canto do continente.  Choram desconsoladamente porque foram separadas de seus pais e não há nada que possa consolar uma criança que se sente sozinha em um mundo hostil e não encontra a mãe ou o pai para protegê-la.  Esses pequenos chamam, uma e outra vez, insistentemente, desesperadamente: “Papai! Mamãe!”

            A política anti-migratória dos Estados Unidos endureceu ainda mais.  O presidente faz constantes e bombásticas declarações, alegando que não pode transformar o país em um campo de refugiados, que todo adulto que entrar ilegalmente em solo americano será considerado criminoso ou delinquente, portanto passível de prisão e deportação. Muitos chegam com os filhos menores.  E como estes não podem ser encarcerados, são separados dos pais. 

            Entre abril e junho mais de duas mil crianças centro-americanas foram separadas dos pais quando suas famílias tentaram entrar no país do norte passando fronteiras oficiais.  Além destes, há um número elevado de pessoas que chegam aos EUA por vias não oficiais. Se descobertos pela polícia de fronteiras, passam pelo mesmo processo de separação e deportação. Na verdade, tal como foi feito com os jovens “dreamers” (sonhadores) que chegaram ao país na infância e ali cresceram, o governo agora faz pressão sobre o Congresso com a dramática separação de famílias para levar avante sua reforma migratória mais restritiva.  

            A lei aprovada em 2008 e que visava a conter o tráfico de crianças determina que os menores imigrantes que chegam sozinhos ao país permaneçam o mínimo tempo possível nos centros de detenção e sejam rapidamente encaminhados a uma família de acolhida.  Proíbe igualmente a deportação imediata de menores sem documentos. E limita a menos de um mês o tempo que uma mãe pode permanecer com seu filho menor em um centro de detenção.  

            Ora, se as famílias forem separadas já não há essa restrição de tempo.  A prisão pode estender-se e a deportação acontecer sem restrição de qualquer espécie devido à presença de uma criança.  Por sua vez, as crianças que chegam sozinhas ou que são separadas dos pais têm um limite de tempo para permanecer em um centro de detenção e devem ser encaminhadas o mais rápido possível a uma família de adoção ou a algum parente residente nos EUA.  Sucede, porém, que muitas vezes esses familiares não respondem ao chamado telefônico e não resgatam a criança.  E isso pela simples razão de que têm medo de que, ao fazê-lo, suas vidas se compliquem, a polícia os deporte por serem indocumentados ou ainda que a documentação pela qual esperam tão ansiosamente lhes seja negada. 

            As crianças, sozinhas e com muito medo são, então, geralmente postas em salas com grade, agasalhadas com cobertores metálicos.  E aí choram a ausência de seus pais, chamando por eles.  São pequenos de 4, 5 ou 6 anos, para quem a referência maior são os pais e a quem a solidão em que se encontram literalmente desespera. 

            A situação desses menores comoveu o mundo inteiro ao serem veiculadas imagens e áudios onde as crianças aparecem atrás de grades e podem ser ouvidas chamando pelos pais em meio a um pranto convulsivo. Protestos se fizeram ouvir não apenas das organizações defensoras de direitos humanos.  A primeira dama dos EUA, Melania Trump, veio a público declarar-se contra a separação das crianças de seus pais.  A ex-primeira dama Laura Bush protestou igualmente com veemência.  A Associação Americana de Pediatras declarou que a prática de separar crianças  de seus pais pode causar-lhes “dano irreparável”.

            Nada parece comover ou demover a alta administração do governo estadunidense, que cita inclusive a Sagrada Escritura para justificar sua posição. O Secretário de Justiça cita a Bíblia, na Carta aos Romanos, capítulo 13, para justificar a política migratória de “tolerância zero”: “Há que obedecer as leis do governo, porque Deus ordenou o governo para seus propósitos. “ 

            Esquece o secretário que o mesmo Paulo de Tarso, autor do versículo citado, convoca à prática do amor, que supera toda lei.  Assim fazendo, segue seu Mestre, Jesus de Nazaré, que foi sempre livre diante da Lei quando estava em jogo o bem das pessoas. Se as pessoas em questão são crianças menores de idade e em situação de extrema vulnerabilidade, com mais razão ainda.

            Nas fronteiras, ecoa o pranto dos milhares de menores indefesos, tornados órfãos por decreto do governo do país mais rico do mundo. Parece esquecido nessa política migratória radicalmente restritiva o fato de que esse país conseguiu a supremacia econômica e o poder de que hoje desfruta em boa parte devido ao trabalho dos imigrantes. O lamento das crianças pode não ser atendido pelos altos escalões do governo estadunidense, mas certamente chega aos ouvidos e ao coração de Deus. 

 

 

Maria Clara Bingemer é teóloga, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de  “Simone Weil – Testemunha da paixão e da compaixão” (Edusc), entre outros livros.

 

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