Planeta Terra vai ao médico

Compartilhe nas redes sociais

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no whatsapp
WhatsApp
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no telegram
Telegram

– Doutor, acho que peguei uma dessas gripezinhas chatas que não querem sarar.

– Não, cara Terra, sua febre está muito alta, e isso causa preocupação.

– Será que peguei algo mais grave? Todos os sintomas são de gripe.

– Sim, os sintomas são os mesmos, mas podem enganar. Precisamos fazer alguns exames

  técnicos e mais apurados; enquanto isso, vou receitar qualquer analgésico para a dor…

– Então, Doutor, estou ansiosa pelos resultados. O que revelaram os exames? Nestes dias

  senti que aumentaram as dificuldades de renovar o oxigênio da atmosfera.

– Infelizmente, nada de bom! A análise revelou a presença em seu corpo de um vírus novo,

  absolutamente desconhecido. E o que é pior, altamente contagioso. Ele ataca os pulmões

  que devem purificar o ar e pode comprometer todo o ecossistema da vida.

– E qual o remédio para esse estranho hóspede? Espero que tenha cura.

– Lamento, mas não há um remédio específico. Você vai ter que parar de girar

  e passar algum tempo em quarentena, quem sabe isso ajudará a sentir-se melhor…

– Que bom revê-lo, Doutor, acho que já me sinto melhor. Posso voltar à minha órbita diária.

– Ainda não. A situação é mais grave do que parecia no início. O vírus já começou a se espalhar

  por todo seu corpo. Milhares de células estão sendo contaminadas, e centenas já morreram.

– Morte? Meu Deus, a coisa é tão séria assim! Será que tenho anticorpos contra esse vírus?

– As notícias são sombrias. O contágio se alastra por seus órgãos e seus membros.

– Santo Deus, que cruel! Como pode esse vírus, que nem se vê, fazer tanto estrago?

– Por isso mesmo! Além de ser invisível, ele se esconde em células assintomáticas

  e, desse jeito, circula livremente por todo seu organismo, ceifando célula após célula…

– Doutor, a epidemia virou pandemia. A morte avança por todo meu corpo. Mais trágico do que eu

  poderia imaginar. Nunca se viu uma coisa igual. Parece que se combate uma nova guerra mundial.

– Guerra mundial, essa é a palavra. O potencial do inimigo, sempre invisível, só faz crescer.

– Mas, afinal, de onde apareceu esse vírus? De onde vem sua força tão contagiosa e tão letal?

– Olha, cara Terra, aqui eu vou deixar de lado a minha especialidade médica. Tenho a impressão

  que seu corpo anda meio fragilizado. O sistema de produção capitalista tem como motor o lucro

  e a acumulação de capital. Daí a devastação de tuas matas originais, a contaminação da atmosfera,

  bem como a poluição de teus rios, lagos e mares. Uma tragédia anunciada.

– Verdade, Doutor, sinto-me fraca, cansada e ainda com febre. Febre que se revela na deterioração

  dos diversos ecossistemas e num vaivém sem igual das células por todo corpo; outras estão inativas

  pela desocupação e muitas, milhões, estão enfraquecidas pela pobreza, a miséria e a fome….

– Como está hoje, Sra. Terra? Sua febre segue nas alturas, o que está acontecendo?

– Sigo doente e à beira da UTI. Nesta crise, onde vírus e crise econômica se misturam,

  as células se agitam sobre meu corpo. Provocam tensões, conflitos, turbulências e guerras.

  A violência tem redobrado. As células mais fortes oprimem e exploram as mais fracas.

  O resultado é que concentração de renda e exclusão social andam de mãos dadas.

  A desigualdade social cresce de forma exponencial, exorbitante, estridente.

  “Ricos cada vez mais ricos às custas de pobres cada vez mais pobres”, dizem …

– Olha, cara Terra, sou especialista em infectologia. Pouco entendo de sociologia e economia.

  Mas me arrisco em dizer que a febre de seu corpo tem muito a ver com uma reação do

  organismo aos ataques devastadores que você tem sofrido ao longo da história humana.

– Verdade! Além da fraqueza física e sistêmica, sinto-me emocional e psiquicamente abalada.

  As células de meu corpo, em vez de me proteger como fonte de vida, agem como sanguessugas.

  Chupam todo meu sangue: minerais, vegetais, animais, ar, sol, águas e outras riquezas.

  O meio ambiente se ressente e reage. Por isso dizem que a natureza não perdoa!

– Tem razão, dá para entender a insistência do Papa sobre o “cuidado com nossa casa comum”.

 

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM, Rio de Janeiro, 8 de abril de 2020

Publicações recentes