Se saio ao campo, eis os mortos à espada;
se entro na cidade, eis as vítimas da fome;
até o profeta e o sacerdote erram pela terra,
sem saber o que fazer (Jr. 14, 18)!…
No campo, eis a fome junto à safra recorde de grãos e carne;
na cidade, eis as lonas onde se abriga o povo em situação de rua;
até mesmo as autoridades políticas e civis, militares e religiosas
andam errantes, alheias, aturdidas, perplexas, indiferentes!…
Se me dirijo à feira ou açougue, padaria ou supermercado,
cresce o preço, enquanto decresce o volume das compras;
se caminho pelas ruas, eis jovens e adultos sem emprego;
nas praças, longas filas para as marmitas “quentinhas”!…
Pelas latas de lixo, alguém aparece para garimpar comida;
na Igreja, a cada hora aumenta a fila pelas cestas básicas;
no semáforo, um homem implora para vender mercadoria;
no centro, uma mulher oferece o corpo quase desnudo!…
Se visito os limites dos países, o novo coronavírus se alastra;
nos hospitais, sinto a disputa pelos leitos de enfermaria e UTI;
de casa em casa, ouve-se pranto, penas e pêsames da pandemia,
regadas com as lágrimas e lamentações das famílias enlutadas!…
Se percorro as estradas, cruzo com multidões em fuga;
nas fronteiras, pressionam muros visíveis ou invisíveis;
e se examino o rosto das crianças desacompanhados,
escapam da violência e da guerra, da miséria e da fome!…
Os albergues e campos de refugiados se enchem de órfãos:
de pais, de família e de carinho, de pátria e de cidadania,
aves de arribação, atrás de um galho onde pousar/repousar;
juntando cacos para refazer sonhos interrompidos!…
Na capital Brasília, poder e riqueza andam de mãos dadas,
vejo descaso, deboche e desmonte das políticas públicas;
aquilo que aflige, atormenta e dizima a população aos milhares,
acaba menosprezado como “gripezinha”, coisa de “maricas”!…
Se tomo em mãos o globo, quantos forasteiros sem pátria;
se pergunto de onde vêm e para onde vão, dizem que acampam;
sem endereço fixo, sobrevivem no rumor urbano do anonimato;
travessia em busca de migalhas, batidos pelos ventos do capital!…
Se mesclo dados e números, imagino nomes, rostos e histórias;
se traço o mapa das rotas, estas se cruzam e recruzam sem fim;
se tento descortinar seus caminhos, projetos e objetivos,
encolhem os ombros, como quem perdeu âncora e bússola,
tentando às cegas dirigir a embarcação para um porto seguro!…
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM
São Paulo, 4 de maio de 2021