Olhares cruzados entre Mestre e Discípulo

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Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs

O primeiro olhar tinha a marca de uma grande confiança misturada a um forte entusiasmo. “André aproximou-se de Simão, seu irmão e lhe disse: ‘encontramos o Senhor’ (que quer dizer Cristo). Ele o conduziu a Jesus. Fitando-o, disse-lhe Jesus: ‘Tu és Simão, filho de João; de agora em diante serás chamado Cefas’ (que quer dizer pedra)” (Jo 1, 40-42). O Mestre lança o desafio ao intrépido pescador para que este último o siga. E ele se prontifica de imediato. O profeta de Nazaré fixa o olhar não nas falhas e incongruências da condição humana, e sim naquilo que a pessoa tem de melhor e mais sagrado. Penetra no mais íntimo das entranhas para resgatar a semente divina que ali habita. Vê em Pedro a ansiosa espera do Messias e o ardente desejo de seguir a vontade de Deus, segundo a tradição de seus ancestrais. Sobre essa cefas/pedra – o chamado do Mestre e a resposta do discípulo – ergue-se o edifício do projeto de salvação: o Reino de Deus começa a criar raízes.

O segundo olhar serviu para acender um sinal amarelo, um alerta contra as intrigas e as tentações do inimigo. “Pedro, tomando-o à parte começou a repreendê-lo, dizendo: ‘Deus não o permita, Senhor. Isto jamais te acontecerá!’ Jesus então, voltando-se para Pedro, disse: ‘afasta-te de mim, Satanás! Tu me serves de pedra de tropeço porque não pensas as coisas de Deus, mas as dos homens’” (Mt 16, 22-23). O Mestre alerta o discípulo para a perfídia e a astúcia do mal e do poder das trevas. Satanás personifica a oposição ao Reino do direito, da justiça e da paz. Ele, efetivamente, por vias tortuosas e contraditórias, sabe como esconder-se nas dobras ocultas das melhores intenções. Perfila-se invisível e insidioso nas reentrâncias obscuras das relações humanas. Se de um lado a coragem e a ousadia podem ser tão nocivas quanto a paciência, de outro a superproteção é tão nefasta quanto o abandono puro e simples. São inúmeras as sutilezas e artimanhas do maligno!

O terceiro olhar vinha cheio de tristeza, mas também revestido de perdão. “Pedro disse: ‘Homem não sei o que dizes’. Imediatamente, enquanto ele ainda falava, o galo cantou. E o Senhor, voltando-se, fixou o olhar em Pedro. Pedro então lembrou-se da palavra que o Senhor lhe dissera: ‘Antes que o galo cante hoje, tu me terás negado três vezes’. E saindo para fora, chorou amargamente” (Lc 22,59-62). Após o pecado da negação, repetido por três vezes, o Mestre cruza com o discípulo. Porém, em lugar de apontar-lhe o dedo em riste para o condenar, abraça-o com o manto da misericórdia. Mesmo em meio a um processo de acusação que o levaria à morte cruenta no alto da cruz, revela o imenso amor do Pai. Pedro cai num pranto desesperado, ao espelhar-se no olhar límpido e transparente de Jesus. Este, como vingança à recusa e à violência humanas, revela um Deus de infinito amor e compaixão. Mais tarde, no Gólgota, como resposta aos algozes que o torturavam, a resposta do Filho será marcada incomensurável misericórdia do Pai.

O último olhar confirma o discípulo na função de guia e pastor. “Jesus lhe disse: ‘Simão, filho de João, tu me amas?’ Entristeceu-se Pedro porque pela terceira vez lhe perguntava: ‘Tu me amas?’ E lhe disse; ‘Senhor, tu sabes tudo, tu sabes que eu te amo’ Jesus lhe disse: ‘Apascenta as minhas ovelhas’” (Jo 21, 17). O Mestre, único Bom Pastor, confia o rebanho ao representante natural do grupo dos apóstolos. Antes de retornar à Casa do Pai, com uma tríplice prova apaga a mancha da tríplice negação, ao reconfirmar-lhe a liderança do grupo. A partir de então, na linguagem do Documento de Aparecida, Pedro converte-se em incansável discípulo-missionário nas comunidades da Igreja incipiente. Suas lágrimas, regadas com a chama abrasadora do mais profundo arrependimento, trazem a grande lição de todo o líder que inspira autoridade, sem cair no autoritarismo. Quem aprendeu a conhecer a própria debilidade e as próprias fraquezas, encontra-se mais preparado para aceitar, compreender e perdoar as falhas do rebanho, bem como aquelas de cada uma de suas ovelhas. Que foi capaz de contemplar sua absoluta nudez no olhar/espelho do Mestre, será igualmente capaz de lidar com a nudez de todo ser humano. O ímpeto dos instintos, que leva a fazer justiça com as próprias mãos, cede o lugar à serenidade e à misericórdia.

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs – São Paulo, 14 de janeiro de 2019

 

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