Muito general e pouco soldado! É a imagem viva e visível do atual governo, tanto de um ponto de vista literal quanto metafórico. “Muito cacique e pouco índio”, dizia-se em outros tempos. Com efeito, nos escalões superiores da administração não faltam oficiais de alta patente. Tampouco faltam, no entorno da família e do clã mais ampliado do capitão Bolsonaro, oficiais de gravata, sem farda e sem estrelas, generais em sentido figurado. Daí um modus operandi todo particular e de natureza marcadamente militar, através de palavras de ordem e contraordem; avanços e recuos com recados breves, ríspidos e peremptórios; admissões, demissões e readmissões; comandos tão irracionais quanto irreversíveis – tudo isso com farto recheio de arrogância, prepotência e autoritarismo.
Entretanto, num olhar mais cirúrgico e uma atenção crítica sobre o vasto “campo de batalha” da governabilidade, com suas estratégias e táticas, meios e metas, armas e munição, verifica-se uma retaguarda ofuscante sob o brilho de medalhas e estrelas, que contrasta com uma vanguarda pontilhada de lacunas, perdida e inoperante frente aos maiores inimigos da população. De fato, se no quartel central abundam os comandantes, onde estão os soldados operativos na trincheira das salas de aula de escolas e universidades ou os pesquisadores de institutos de ciência e tecnologia? Onde estão os soldados operativos na trincheira dos prontos-socorros, dos hospitais públicos e das unidades de saúde em geral? Onde estão os soldados na trincheira do combate à devastação, desmatamento e poluição do meio ambiente ou ao aquecimento global? Onde estão os soldados na escandalosa e estridente trincheira da falta de terra, trabalho e teto para a enorme fatia dos deserdados? Enfim, onde está o recrutamento para a trincheira desguarnecida das políticas públicas que visem o bem comum e a dignidade humana?
Não, não estamos nos referindo a um exército de homens fardados, de metralhadora ou fuzis apontados sobre brigadas inimigas. Não estamos fazendo apologia aos clubes de tiro ao alvo, nem ao infeliz decreto de flexibilização da compra e porte de armas de fogo. Estas últimas, matematicamente, quanto mais abundantes, mais disparos efetuam e mais mortes costumam causar. Toda arma de fogo é um instrumento de agressão e morte que, cedo ou tarde, pode voltar-se contra aqueles que nos são mais próximos, como revela a onda de feminicídios perpetrada por todo território nacional.
Referimo-nos, em vez, a um plano de governo voltado predominantemente para os extratos populacionais de baixa renda. Programas de uma política pública específica que leve em conta os quase 14 milhões de desempregados, bem como os subempregados; os povos indígenas e as comunidades quilombolas, cheios de feridas e cicatrizes históricas; os jovens desocupados e sem perspectiva de futuro, facilmente vulneráveis ao recrutamento do crime organizado; os negros e migrantes em geral, marcados pelo estigma da discriminação racial e étnica, religiosa, política ou ideológica; os trabalhadores rurais, idosos, crianças, mulheres, povo de rua e outras minorias, alvos privilegiados de facções ligadas ao nazismo e fascismo, que agem com a fúria indômita de pitbulls.
Sobram oficiais e generais aquartelados e faltam soldados na frente de batalha! Batalha que é um combate longo, permanente e laborioso à pobreza, à miséria e à fome, as quais debilitam ou asfixiam inteiramente a cidadania. Soldados que prendam em consideração a forte concentração de renda e riqueza, de um lado, e, de outro, a pobreza crescente a exclusão social. Que não se esqueçam que o Brasil é um dos países de maior desigualdade socioeconômica do mundo, onde cresce progressivamente o fosso entre o pico e a base da pirâmide social. Onde se amplia o número de “pessoas à margem da sociedade”, para usar a expressão do Papa Francisco, ao referir-se à “economia que “exclui, descarta e mata”. Menos mandos e desmandos por parte do poder, e mais soldados em defesa da vida e dos direitos humanos dos cidadãos e cidadãs.
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs – Rio de Janeiro 17 de junho de 2019