Migrante e refugiado: o lado mais fraco da pandemia

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Dados indicam que “nos Estados Unidos, cidades com migrantes brasileiros e hispânicos têm 30% mais mortes por Covid-19” (Cfr. Site UOL, 19/04/2020). Também no Reino Unido a morte entre as minorias étnicas e imigrantes tem números superiores. Três são os motivos apontados pelos especialistas: em primeiro lugar, trata-se de extratos da população em situação extrema de precariedade, tanto nas condições de trabalho/emprego quanto de moradia. Por isso, estão sujeitos a todo tipo de exploração, tornando-se ao mesmo tempo mais vulnerabilizados neste momento trágico do contágio em larga escala. Num país que não dispõe de um sistema de saúde de proteção aos mais pobres, são eles os primeiros a sofrer as consequências.

Em seguida, é justamente entre essa população de imigrantes e negros que as empresas, em geral terceirizadas, recrutam os trabalhadores para os serviços mais pesados, perigosos e mal remunerados, com destaque para a área da limpeza pública, do transporte público, bem como do emprego doméstico. Condenados a esse tipo de trabalho, evidente que a eventualidade de contato com o vírus é muito mais provável. A contaminação eventual associada à precariedade crônica em que vivem aumenta não somente o risco de ficar doente, mas também de não resistir a seu ataque letal. Quanto mais grave a debilidade, maior o risco de morte.

Entre os imigrantes, enfim, parte expressiva é indocumentada, perseguida pela política xenófoba do presidente Trump, antes mesmo da tragédia do Covid-19.  Pesava sobre os migrantes o risco imediato da repatriação. Agora, no olho da pandemia, eles temem procurar as autoridades e cair na armadilha do preconceito, tendo de retornar ao país de origem, e sendo às vezes separados dos próprios filhos. As restrições devidas à pandemia, por outro lado, podem se perpetuar. Entre os migrantes, alguns foram encontrados mortos em suas casas. Desses três fatores resulta que o coronavírus acaba empurrando para o túmulo os que já se encontram à beira do abismo.

Uma vez mais, direta ou indiretamente, os imigrantes integram o grupo social que nesta crise sanitária acaba assumindo o papel de “bode expiatório”.  Esta expressão, de acordo com o estudioso francês René Girard, na obra Le buc emissaire (O bode expiatório), representa um inimigo comum, o qual deve ser identificado, combatido e eliminado, para garantir a coesão e a ordem primitiva da comunidade. Entre os rostos que, desde os tempos antigos, a idade média e os tempos modernos, já passaram por essa fatídica discriminação, podemos citar historicamente os leprosos, os loucos, os desocupados, os hereges, as bruxas, os judeus, os comunistas, entre outros. Hoje, com o avanço da extrema direita e do nacionalismo populista, ela tende a aplicar-se ao “outro, diferente, estrangeiro”.

Sobre os ombros do “bode expiatório” – vale dizer, hoje sobre os ombros dos migrantes, prófugos e refugiados – tende a recair toda culpa da desordem sociopolítica, das catástrofes naturais ou das grandes pandemias. Eles constituem, em outras palavras, aqueles que devem morrer para que a sociedade possa seguir os trilhos da “ordem e da paz”, para beneficiar aqueles que desfrutam o sistema socioeconômico e político que acúmulo das riquezas, de um lado, e exclusão social, de outro. A isso mitos setores da mídia e do governo estão se referindo como “voltar à normalidade”, depois da pandemia. Que normalidade é essa?

A normalidade de uma economia globalizada que, através do mito da produção a qualquer preço e do consumo frenético, extrai e explora os recursos naturais até a exaustão. Com isso, devasta as florestas, desertifica o solo e contamina o ar e as águas. Daí o aquecimento global que torna mais graves as catástrofes “naturais”, expulsando milhões de “refugiados climáticos”. Ou a normalidade do capitalismo que explora a mão-de-obra humana até a última gota de suor, lágrima e sangue, contanto com um imenso contingente de pessoas que, sem raízes, erra por todo o mundo atrás de raras e parcas migalhas. Não, seguramente não é essa normalidade que queremos. Buscamos uma sociedade alternativa, recriada, solidária!

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM – Rio de Janeiro, 1º de maio de 2020

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