E agora, José? Observatório Racial Dom José Maria Pires/CBJP

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Às vésperas do Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado no sábado 20 de novembro, a Comissão Brasileira de Justiça e Paz, por meio de seu Observatório Racial Dom José Maria Pires, publicaram um artigo intitulado “E agora, José?” no qual analisam a realidade vivida por negros e negras no Brasil e como o racismo ainda marca a sociedade brasileira. Confira, abaixo, a íntegra do texto.

E agora, José?

Firmes no espírito de luta que marca a história legada por Zumbi e Dandara, venceremos.

“Irá chegar um novo dia. Um novo céu, uma nova terra, um novo mar . E nesse dia, os oprimidos a uma só voz, a liberdade, irão cantar. Na nova terra o negro não vai ter corrente…”

Apesar do canto acima nos trazer esperanças de dias melhores é preciso mais atitude para transformar a dura realidade que ainda cerca a população negra que não vive, mas resiste em terras brasileiras.

Num cenário de desmonte das políticas públicas conquistadas e retiradas de direitos, o 20 de novembro, “Dia da Consciência Negra”, ecoará como um grito de socorro da juventude negra, cujos corpos são encontrados nas caladas da noite e das mulheres negras vítimas da violência doméstica e de feminicídio; grande reflexão e articulação para que a Lei de Cotas permaneça oportunizando aos negros a entrada na academia e, por consequência, tenham melhores empregos e salários; a certeza de que a representatividade da negritude nos espaços de poder e decisão é importante para a democracia brasileira.

O transcurso do tempo ainda presente da pandemia no Brasil fez eclodir as vísceras do entranhado racismo que ataca e agride desde a injúria racial à matança em série e destruição das famílias, dos lares negros brasileiros.

Sim, foi sob os desafios do isolamento nos barracos lúgubres ou nos cárceres privados do emprego doméstico, que a necropolítica que faz da gente negra brasileira vítima de genocídio, que as vísceras do racismo se desnudaram despudoradamente, quer pelo abandono à letalidade do então novo coronavírus.

A primeira vítima alcançada e morta pelo Covid-19 foi uma negra, empregada doméstica, que recebeu do patronato o ainda importado vírus mortal.

Também a desvelar a perpetuação da escravização negra nos ricos domicílios, a morte do menino Miguel em Recife, dia 2 de junho, mostrou a crueza intrínseca à hierarquização das pessoas pela cor. Para cuidar do cachorro da madame, uma mulher negra submetida ao trabalho ininterrupto, viu o corpo de seu filho estendido no chão, praticamente jogado do nono andar do prédio de alto luxo com serviços domésticos diretamente custeados pelo poder público.

Mas a morte também chega por atacado!

Agora, a intrépida ação das polícias bem mandadas, não respeitou sequer decisão do Supremo Tribunal Federal e vimos o massacre do Jacarezinho, comunidade periférica do Rio de Janeiro. Numa só revoada de tiros, 29 homens foram mortos dia 6 de maio de 2021. Negros? Em nada inovou.

A fim de arrematar seu último ano de governo sem permitir dúvidas sobre seu intento de destruição de qualquer vestígio de política pública civilizatória, de redução da miséria e combate à fome, pelo menos, o Programa Bolsa Família, que por 18 anos levou inclusão e promoveu cidadania nos campos e cidades desse imenso Brasil, foi simplesmente extinto. Simples assim. Acabou! E agora, José? Agora, nossa tarefa gigantesca é romper a estupefação que naturaliza a barbárie como política de Estado. Recuperar a autoestima coletiva e o respeito mundo afora!

Para o povo negro quilombola, a terra e o território são a base da sua existência, das suas relações sociais, da produção cultural, da vida presente e da construção do seu futuro.

Existem cerca de 6 mil territórios quilombolas em todo o Brasil, que carregam toda uma história de resistência à escravidão; de enfrentamento da perseguição pelo poder estatal e pelo latifúndio e de afirmação da dignidade do povo negro.

Os direitos das comunidades quilombolas foram reconhecidos pela Constituição de 1988, regulamentados pelo Decreto n° 4887, de 20 de novembro de 2003, editado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, decreto que sofreu tentativas de anulação pelos ruralistas através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), mas que foi considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Apesar de termos mais de 3.200 comunidades quilombolas reconhecidas e certificadas pelo Estado brasileiro, temos apenas 206 comunidades devidamente tituladas até hoje. Os quilombos, durante a sua formação ao longo dos anos da colonização, abrigaram muitas vezes comunidades indígenas e outras comunidades pobres e excluídas da sociedade brasileira, todas compartilhando um mesmo território.

É fundamental que hoje as comunidades quilombolas constituam redes para lutas comuns e alianças com todos os povos tradicionais do campo e com amplos setores da sociedade brasileira, para que seus direitos territoriais sejam definitivamente reconhecidos pelo Estado e para que o projeto coletivo de um país livre, justo e igualitário, seja construído.

Na sociedade brasileira, o racismo se manifesta também na repressão e na perseguição às religiões não-cristãs, especialmente àquelas que remetem à herança africana, como o candomblé e a umbanda. Comumente associadas à magia, à feitiçaria e ao curandeirismo, os praticantes dessas religiões estão sempre em luta para garantir o seu direito à liberdade de crença, como preconiza a Constituição Federal. Apesar do respaldo legal, as religiões de matrizes africanas são, diuturnamente, alvo de atos violentos, muitas vezes protagonizados por grupos evangélicos.

O respeito à fé e à espiritualidade daqueles que comungam de outros referenciais sagrados deve ser um compromisso de todos, já que assim estabelece a legislação como também rege as relações que prezam pelo bem maior, que zelam fraternalmente pela nossa Casa Comum. Faz-se necessário, assim, o fortalecimento do diálogo inter-religioso com vistas ao combate do racismo, de maneira geral, do racismo religioso, tratando-se especificamente das religiões de matrizes africanas. A abertura e a acolhida das diferentes tradições afro-religiosas é um caminho, dessa forma, para a construção de uma sociedade mais igualitária.

Nesta oportunidade relembramos a CF de 1988 que sugeriu o reconhecimento da CNBB, bem como do Episcopado brasileiro, das contribuições africanas à nacionalidade. Negros e negras católicas sempre dialogaram com a Igreja acerca dos valores da negritude e se agrupavam em organizações tais como o Grupo de União e Consciência Negra, os Agentes Pastorais Negros (APNs), o Atabaque, a Pastoral Afro. Presbíteros e leigos atentos à intercultura buscaram incluir valores ancestrais negros na liturgia com a Missa Afro.
A Pastoral Afro funcionou durante muito tempo na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Hoje o Observatório Racial Dom José Maria Pires, instituído na Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), é uma importante contribuição da Igreja para a superação do racismo.

Firmes no espírito de luta que marca a história legada por Zumbi e Dandara, venceremos. Aceitemos o convite do poeta para ouvir a música, cantá-la e termos atitudes concretas de construirmos esse novo céu e nova terra.

Comissão Brasileira Justiça e Paz

Observatório Racial Dom José Maria Pires

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