Por Jaime C. Patias | 02.12.2015| O Conselho Missionário Regional (Comire) Oeste 1 (Mato Grosso do Sul), reunido em Assembleia anual nos dias 27 a 29 de novembro, em Dourados (MS), divulgou uma carta de apoio e solidariedade ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a todas as pastorais a serviço dos pobres e excluídos.
A Carta denuncia as ameaças de criminalização do Cimi por meio da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) em andamento na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul, para investigar a ação missionária da entidade junto aos povos indígenas.
Proposta pela fazendeira e deputada estadual Mara Caseiro (PTdoB) e subscrita por outros deputados fazendeiros, a Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul criou a CPI, por despacho assinado pelo presidente da Casa, o deputado Junior Mochi (PMDB), e publicado no dia 18 de setembro de 2015, no Diário Oficial.
Segundo o Cimi, a CPI em questão faz parte da estratégia de ataques ruralistas aos povos indígenas e seus aliados. Naquele estado, uma parte dos fazendeiros e seus jagunços tem atuado através de milícias armadas com ataques contra o povo Guarani Kaiowá dos Tekohá Nanderu Marangatu, Guyra Kamby’i, Pyelito Kue e Potreiro Guasu. Como resultado, o líder Guarani Kaiowá, Semião Vilhalva, foi assassinado, três indígenas foram baleados por arma de fogo, vários foram feridos por balas de borracha e dezenas de indígenas foram espancados.
Nos últimos 12 anos, ao menos 585 indígenas cometeram suicídio e outros 390 foram assassinados no Mato Grosso do Sul. O estado tem 23 milhões de bovinos que ocupam aproximadamente 23 milhões de hectares de terra. Enquanto isso, com os procedimentos de demarcação paralisados, os cerca de 45 mil Guarani Kaiowá continuam espremidos em apenas 30 mil hectares de suas terras tradicionais.
A missão do Cimi
No Mato Grosso do Sul, o Cimi conta com apenas sete missionários e o apoio de outras 13 pessoas. O jovem gaúcho Matias Benno Rempel faz parte do Cimi desde 2013 e está há um ano em Dourados (MS). “Podemos afirmar que os Guarani Kaiowá vivem uma subvida. Essa questão se tornou conhecida em cortes de Direitos Humanos no Brasil e em muitos países por ser a segunda maior população indígena no país na pior situação”, afirma o missionário. Vivendo em muitos acampamentos, com pouca terra, os indígenas estão na miséria. Essa situação de confinamento leva a outras consequências como a perda da cultura e da identidade, o suicídio, a desesperança e uma vida sem dignidade.
Matias explica que, mesmo assim, “o Cimi divide as esperanças com esses povos e permanece junto nos momentos mais difíceis para anunciar o Reino que vem com a denúncia daquilo que agride a vida por meio do Relatório de Violência contra os indígenas. O fato faz o estado brasileiro repensar suas práticas com relação a esses povos”.
Irmã Joana Aparecida Ortiz pertence à congregação das Franciscanas de Nossa Senhora Aparecida. Presente na Assembleia do Comire em Dourados, ela relata que a missão do Cimi tem sido visitar as comunidades nas aldeias e áreas retomadas para escutar suas demandas na saúde, educação e na luta pela terra. O Cimi procura dar voz aos indígenas para que contem sua real situação. A missionária lamenta a desinformação e manipulação dos fatos por parte da mídia que confunde a população e as próprias comunidades cristãs.
Irmã Joana reforça que a missão do Cimi é deixar que os indígenas sejam os protagonistas de sua história. “Quem toma as decisões das ocupações e das retomadas das terras são os próprios indígenas. A nossa Igreja conhece pouco sobre a questão. Das seis dioceses no estado, cinco têm indígenas com aldeias e áreas de conflitos”. Pensando nisso o Cimi programou para o mês de julho de 2016, um curso sobre o indigenismo missionário destinado às pessoas que querem conhecer melhor a questão indígena.
Irmã Joana já sofreu intimidações do delegado da Superintendência da Polícia Federal do Mato Grosso do Sul, Alcídio de Souza Araújo, que duvidou de sua condição de religiosa e missionária. “Diante desse fato eu não me sinto abalada por que eu sei da minha missão junto de Deus que me compromete com os povos indígenas. É triste as pessoas saberem quem somos e tentarem anular a missão da Vida Religiosa justamente no Ano da Vida Consagrada. Isso é consequência do nosso seguimento a Jesus Cristo”, declara Irmã Joana.
Confira abaixo a íntegra da Carta de apoio ao Cimi.
CARTA DE APOIO AO CIMI E AOS POVOS INDÍGENAS DE MATO GROSSO DO SUL
Nós, missionários e missionárias do Conselho Missionário Regional (Comire) Oeste 1 da CNBB, (Mato Grosso do Sul), reunidos em Assembleia na cidade de Dourados (MS), manifestamos por meio desta, nossa total solidariedade e apoio ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi), com sua história de mais de 40 anos em missão a serviço da vida dos povos indígenas no Brasil.
Cientes das ameaças de criminalização do Cimi por meio da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) em andamento na Assembleia Legislativa no Estado do Mato Grosso do Sul, para investigar a ação missionária da entidade junto aos povos indígenas, vimos expressar nossa indignação ao que consideramos ilegal uma vez que o Cimi não é um órgão público ou do estado, mas um organismo da Igreja Católica Apostólica Romana vinculado à CNBB.
Esta não é a primeira CPI ou instrumento de coerção que recai sobre o Cimi e outras entidades e pastorais de nossa Igreja por se colocarem a serviço dos pobres, excluídos e marginalizados de nossa sociedade.
Por esta carta queremos dizer que acreditamos na autonomia dos povos indígenas, em sua capacidade de se organizar e buscar, com seu protagonismo, o direito ao “Bem Viver”, à Terra sem Males.
Por fim, reafirmamos nossa solidariedade e apoio ao Cimi e a todos os indígenas do Mato Grosso do Sul, aos quais a nossa Igreja abre suas portas para acolher, assim como o faz com todos e todas que dela se aproximam.
“É missão de todos nós, Deus chama, quero ouvir a sua voz”. Hoje no grito pela vida dos povos indígenas.
Dourados 29 de novembro de 2015
Os participantes da Assembleia anual do Comire Oeste 1 da CNBB.
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