O presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, cardeal Giafranco Ravasi, foi o pregador do retiro da 54ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O momento espiritual ocorreu nos dias 9 e 10 de abril, em Aparecida (SP). Na primeira sessão do retiro, dom Ravasi falou aos bispos sobre os três ícones da misericórdia, “de Deus, do seu Cristo e do fiel, à luz desta categoria fundamental”.
A respeito do primeiro ícone, cardeal Ravasi disse que a onipotência não é o princípio de prevaricação, mas de misericórdia. “Exatamente porque tudo pode, Deus tem compaixão de todos. Usa-se, neste ponto, uma imagem sugestiva: o Senhor fecha os olhos, para não ver os pecados humanos, esperando que, entretanto, as pessoas mudem de vida”, refletiu.
Ao citar Efésios, sobre o muro de separação que dividia os dois povos, hebreus e pagãos, dom Ravasi recordou que “Cristo veio (…) e empunha o martelo para abater aquele muro de separação (…) ao ponto de criar dos dois um só povo, onde as distinções não são mais fonte de medo, mas sinal de riqueza”. O cardeal considerou “belíssima” a definição de Cristo como “nossa paz” e explicou o significado da palavra diálogo que, na sua matriz grega, “supõe o encontro entre duas visões sérias e aprofundadas do ser e do existir, capazes de descobrir a verdade que existe também no outro, ainda que cada um conserve a sua própria identidade espiritual e cultural”.
Sobre o ícone do fiel, destacou as obras da misericórdia. “Matar a fome a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, acolher o estrangeiro, vestir os nus, curar o doente, visitar o preso; são estes os seis empenhos, praticados pelos misericordiosos e ignorados pelos egoístas. Por quatro vezes, no texto, é repetido este elenco que pode tonar-se já um exame de consciência, durante a existência terrena para qualquer homem e mulher, para o fiel e para o sacerdote”, ressaltou.
Caminho da misericórdia
Cardeal Ravasi, na segunda sessão do retiro, ainda na tarde de sábado, abordou o caminho da misericórdia. Discorreu sobre duas parábolas do Evangelho de Lucas, a dom Bom Samaritano e do Filho Pródigo.
“O itinerário que rege as duas parábolas é certamente espacial e geográfico, mas torna-se um símbolo existencial, uma ideal peregrinação aberta a todos nós: de amor, no primeiro caso, de conversão no segundo”, disse.
A respeito da primeira parábola, dom Ravasi disse que “Cristo convida a comportar-se ‘subjetivamente’ como próximo, em relação a quem está em necessidade e que interpela a nossa humanidade e a nossa misericórdia” e que “aquela estrada se transforma, assim, na via existencial daquele que acolhe e pratica o mandamento capital de Cristo: ‘Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei'”.
Sobre a parábola do Filho Pródigo, o cardeal afirmou que “a misericórdia, no seu aspecto mais terno e visceral, celebra agora a sua epifania mais alta e autêntica, capaz de vencer qualquer desilusão e recriminação”. “De fato, na alegria do encontro do filho perdido, por duas vezes, o pai repetirá: ‘este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi encontrado'”, acrescenta.
Casa da misericórdia
A terceira sessão, ocorrida na manhã deste domingo, 10, foi dedicada ao tema “A casa da misericórdia”.
Dom Ravasi perpassou “três casas”, para falar de realidades que fazem parte da experiência cotidiana, humana, espiritual e pastoral: a violência, a traição e a solidariedade amorosa.
A primeira casa citada é a de Adão e Eva e dos dois filhos Caim e Abel. “Esta morada hospeda já, no seu interior, uma tragédia”, disse. O cardeal lembrou que nesta cena, está a violência familiar e social presente nos dias atuais. Porém, recordou que Deus condena o assassino, mas não o abandona ao seu destino Dom Ravasi declarou, ainda, que não é lícita a pena de morte, “porque somente Deus tem nas suas mãos a vida de todo o ser vivo e o sopro de vida de todo ser humano”.
“A justiça e a condenação não diminuem, mas ao culpado é sempre aberta a via da redenção que desabrocha do entrelaçamento entre a sua conversão e a misericórdia divina”, apontou.
A outra história, contada pelo cardeal, é a da mulher adúltera. “Num setor daquela enorme praça reuniu-se um ajuntamento de pessoas aos berros que circundavam uma mulher, arrastada ali à força e atirada ao chão. No círculo que se criou à sua volta, está, ao lado, também um homem que parece indiferente, ao ponto de estar a escrevinhar no pó”, narrou.
Para o cardeal, a frase “Quem de vós está sem pecado, que atire a primeira pedra contra ela”, é “memorável e constitui um verdadeiro ato de acusação, uma espécie de ind