Apagar o fogo soprando a fumaça

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Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs

Fogo na Amazônia e fogo nos discursos do presidente Bolsonaro. Qual dos dois é mais difícil de extinguir? Por outro lado, que autoridade ou que instituição podem agir como bombeiro nessa situação sinistra e preocupante? Nos últimos dias, ambos os fogos acabaram se cruzando de forma perigosa e, em nível global, colocaram o país na mira dos grandes veículos da mídia internacional, das redes sociais e da opinião pública.

A verdade é que para os políticos da extrema destra, guiados por forte nacionalismo populista, e que têm emergido recentemente, o fogo parece fazer parte de seu modo conflituoso e turbulento de governar. Não é difícil elencar algumas dessas polêmicas figuras: Donald Trump, nos Estados Unidos; Matteo Salvini, na Itália; Rodrigo Duterte, nas Filipinas; Recep Tayyip Erdogan; na Turquia, Jair Bolsonaro, no Brasil – entre outros. De forma geral, o nacionalismo em questão vem temperado de boa dose de voluntarismo e de corporativismo, para sequer falar do nepotismo descarado e ostensivo de nosso capitão (e de tantos outros “ismos”). Instala-se nitidamente a provocação contínua do confronto, seja na relação com os poderes, instâncias e instituições consolidadas historicamente no processo democrático, seja com agentes sociais e políticos da sociedade civil organizada.

Restringindo-nos ao Brasil, tem-se a impressão que Bolsonaro se especializou em atear fogo no “circo da política”. Viu-se isso nos trâmites normais da Reforma da Previdência na Câmara dos Deputados, viu-se isso nos decretos relativos ao uso de armas de fogo, ao destino do Coaf e à eliminação dos radares eletrônicos; viu-se isso nos destemperos com as estatísticas do Inpe, bem como na demissão dos ministros Gustavo Bebianno e Joaquim Levy. Até aí, as controvérsias estiveram limitadas ao interior de casa. As coisas se complicaram quando o fogo da retórica nacionalista se fundiu com o fogo que devora a floresta Amazônica, e ambos ultrapassaram as fronteiras do país, exasperando a sensibilidade de quem se preocupa com o cuidado e a preservação do planeta Terra, como “nossa casa comum”. Esta expressão, aliás, foi extraída da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, publicada em novembro de 2013, como uma espécie de programa para o início do pontificado do Papa Francisco.

Foi então que, de todos os quadrantes, se manifestaram autoridades, artistas e esportistas, ambientalistas, organizações não governamentais (ONGs) e celebridades de todo gênero. O risco das chamas estrepitosas do governo brasileiro, direta ou indiretamente, atiçam centelhas de fogo num dos maiores patrimônios da humanidade, ou melhor, no chamado pulmão do mundo. Mas suas fagulhas também esquentam as relações internacionais, mais do que nunca entrelaçadas pela revolução dos meios de comunicação.

As labaredas se juntam e criam um cenário indigesto e insustentável. Os próprios agentes do agronegócio sentem que podem queimar as mãos, com formas de boicotes a seus produtos por parte do mercado global. E aí entra em cena o círculo vicioso: menos exportações, menos produção, menos postos de trabalho; menos acesso aos serviços básicos necessários – e assim por diante. Jamais ficou tão evidente que os disparos impensados (e às vezes irracionais) do governo consistem em atirar nos próprios pés. O problema é que o tiro no pé de quem se encontra à frente da nação é, antes de tudo, um ataque contra a população. Com tais agressões, o governo só consegue deixar o Brasil de escanteio na dinâmica da economia globalizada, o que não é bom para as autoridades e menos ainda para o conjunto dos cidadãos.

Volta a pergunta inicial: quem e como apagar o fogo da Amazônia e o fogo de um discurso inflamado e pernicioso para todos? Não adianta soprar na fumaça da retórica, é preciso investir no combate às chamas e, mais ainda, na prevenção dos incêndios. Quem sabe a pressão de fora desperte as forças entorpecidas deste gigante que parece dormir em berço esplêndido.

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs – Rio de Janeiro, 23 de agosto de 2019

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