Abismo entre gerações

Compartilhe nas redes sociais

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no whatsapp
WhatsApp
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no telegram
Telegram


Duas perguntas que, nos tempos atuais, adquirem uma relevância sem precedentes. Primeira, qual a distância que separa um casal, digamos, na faixa dos 30 a 40 anos, e seus filhos adolescentes ou jovens?
Segunda, qual a distância que separa esse mesmo casal e seus próprios pais, às portas da terceira idade? Tal distância entre uma geração e outra, ao longo da história, sempre foi mais ou menos significativa e quase sempre geradora de não poucas tensões e apreensões. Atualmente, porém, com a revolução dos costumes, dos valores e das comunicações – com particular destaque para o surgimento da Internet e das redes sociais – semelhante fissura entre pais e filhos vem ganhando as proporções de um verdadeiro abismo. Os atritos e conflitos, antes contornáveis, com frequência crescente convertem-se em aberta ruptura.

Emergem inevitavelmente outras interrogações. Que sabe sobre a experiência de seus país a “geração.com” dos internautas? E aqueles, por sua vez, que sabem sobre as inquietudes e novidades destes últimos? Enquanto para uns a memória é uma espécie de baú cheio de coisas enferrujadas e de valor duvidoso, para outros o presente torna-se um terreno minado, que em cada esquina esconde desconhecidas ameaças. Os
primeiros não conhecem e nem fazer questão de conhecer o desenrolar dos fatos históricos, com suas causas e efeitos; ao passo que para os segundos o passado representa uma fortaleza de refúgio diante dos perigos que nos espreitam por todo o lado e a todo momento. Uma geração tende a absolutizar o “aqui e agora” como fonte de vida, energia, prazer, alegria e relacionamentos sempre inovadores, beirando não raro o hedonismo puro e simples. A outra, tende a cultivar e recriar o “paraíso perdido”, onde tudo parecia caminhar sobre os trilhos, estacionando por vezes num saudosismo mórbido e doentio.

Nessa perspectiva, hoje em dia que significa uma herança ou patrimônio cultural que, no decorrer das décadas, vai passando de pais para filhos (se é que ainda podemos falar nesses termos)? O legado de uma geração a outra parece ter-se convertido num diálogo de surdos, ou na mesmice dos monólogos sobrepostos.
Falam mas são desprovidos de audição. Não aprenderam a escutar. Água e azeite que, dentro do mesmo recipiente, coexistem um ao lado do outro, mas não se misturam e não se confrontam. Uma lacuna toma o lugar de uma ponte que, em tempos idos, mesmo se tênue e frágil, ligava as duas margens. Um vazio mudo
ou ensurdecedor instalou-se como intruso no meio da sala, o qual responde pelo nome, preferivelmente em inglês, do último lançamento na área das  telecomunicações… A novidade da moda destronou a chama viva da memória.

Mas tal atitude vai além das famílias. Mutatis mutandi, o mesmo se nota, por exemplo, nas comunidades de vida consagrada, nas escolas entre professores e alunos e nas relações amorosas. Embora cerrando portas e janelas aos ventos contemporâneos, as novidades encontram um modo sorrateiro de penetrar em tais
ambientes. Também neste caso as gerações, em lugar do diálogo, da abertura e dos encontros reciprocamente enriquecedores, cultivam um distanciamento progressivo. Alguns insistem em isolar-se, encastelando-se na torre do passado, contra os produtos inquietantes da modernidade e da pós modernidade.

Outros empenham-se em desfrutar tudo aquilo que o presente pode oferecer, numa corrida frenética e obsessiva aos bens da moda e de um consumismo sem freios. O patrimônio cultural e religioso acaba sendo atropelado pela avalanche de ideias inovadoras, as quais revelam-se muitas vezes efêmeras, provisórias e
voláteis. O tempo entre a posse, o tédio e o descarte das coisas adquiridas (ou das pessoas com quem nos relacionamos), reduz-se na proporção inversa do número de modelos oferecidos pelo mercado.

Na família ou na comunidade religiosa, raras são as pontes, raras as formas de comunicação entre uma geração e outra. Prevalecem os muros, os entraves, os monólogos, o mutismo, fechamento… Mas prevalece sobretudo a cultura do self service. O grupo convive sob o mesmo teto, mas encontra-se privado de uma
referência sólida e central, vinculada a uma tradição de valores. Cada um é convidado a fazer o próprio prato.

Entre os produtos, ideias, valores e expressões que circulam como “moda do momento”, escolhe os ingredientes que melhor lhe agradam, tempera-os com uma boa dose de prazer, saciando a própria fome e sede. Mas a fome e a sede voltarão a manifestar-se… e em breve!

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs – Roma, 16 de setembro de 2018

Publicações recentes