Duas perguntas que, nos tempos atuais, adquirem uma relevância sem precedentes. Primeira, qual a distância que separa um casal, digamos, na faixa dos 30 a 40 anos, e seus filhos adolescentes ou jovens?
Segunda, qual a distância que separa esse mesmo casal e seus próprios pais, às portas da terceira idade? Tal distância entre uma geração e outra, ao longo da história, sempre foi mais ou menos significativa e quase sempre geradora de não poucas tensões e apreensões. Atualmente, porém, com a revolução dos costumes, dos valores e das comunicações – com particular destaque para o surgimento da Internet e das redes sociais – semelhante fissura entre pais e filhos vem ganhando as proporções de um verdadeiro abismo. Os atritos e conflitos, antes contornáveis, com frequência crescente convertem-se em aberta ruptura.
Emergem inevitavelmente outras interrogações. Que sabe sobre a experiência de seus país a “geração.com” dos internautas? E aqueles, por sua vez, que sabem sobre as inquietudes e novidades destes últimos? Enquanto para uns a memória é uma espécie de baú cheio de coisas enferrujadas e de valor duvidoso, para outros o presente torna-se um terreno minado, que em cada esquina esconde desconhecidas ameaças. Os
primeiros não conhecem e nem fazer questão de conhecer o desenrolar dos fatos históricos, com suas causas e efeitos; ao passo que para os segundos o passado representa uma fortaleza de refúgio diante dos perigos que nos espreitam por todo o lado e a todo momento. Uma geração tende a absolutizar o “aqui e agora” como fonte de vida, energia, prazer, alegria e relacionamentos sempre inovadores, beirando não raro o hedonismo puro e simples. A outra, tende a cultivar e recriar o “paraíso perdido”, onde tudo parecia caminhar sobre os trilhos, estacionando por vezes num saudosismo mórbido e doentio.
Nessa perspectiva, hoje em dia que significa uma herança ou patrimônio cultural que, no decorrer das décadas, vai passando de pais para filhos (se é que ainda podemos falar nesses termos)? O legado de uma geração a outra parece ter-se convertido num diálogo de surdos, ou na mesmice dos monólogos sobrepostos.
Falam mas são desprovidos de audição. Não aprenderam a escutar. Água e azeite que, dentro do mesmo recipiente, coexistem um ao lado do outro, mas não se misturam e não se confrontam. Uma lacuna toma o lugar de uma ponte que, em tempos idos, mesmo se tênue e frágil, ligava as duas margens. Um vazio mudo
ou ensurdecedor instalou-se como intruso no meio da sala, o qual responde pelo nome, preferivelmente em inglês, do último lançamento na área das telecomunicações… A novidade da moda destronou a chama viva da memória.
Mas tal atitude vai além das famílias. Mutatis mutandi, o mesmo se nota, por exemplo, nas comunidades de vida consagrada, nas escolas entre professores e alunos e nas relações amorosas. Embora cerrando portas e janelas aos ventos contemporâneos, as novidades encontram um modo sorrateiro de penetrar em tais
ambientes. Também neste caso as gerações, em lugar do diálogo, da abertura e dos encontros reciprocamente enriquecedores, cultivam um distanciamento progressivo. Alguns insistem em isolar-se, encastelando-se na torre do passado, contra os produtos inquietantes da modernidade e da pós modernidade.
Outros empenham-se em desfrutar tudo aquilo que o presente pode oferecer, numa corrida frenética e obsessiva aos bens da moda e de um consumismo sem freios. O patrimônio cultural e religioso acaba sendo atropelado pela avalanche de ideias inovadoras, as quais revelam-se muitas vezes efêmeras, provisórias e
voláteis. O tempo entre a posse, o tédio e o descarte das coisas adquiridas (ou das pessoas com quem nos relacionamos), reduz-se na proporção inversa do número de modelos oferecidos pelo mercado.
Na família ou na comunidade religiosa, raras são as pontes, raras as formas de comunicação entre uma geração e outra. Prevalecem os muros, os entraves, os monólogos, o mutismo, fechamento… Mas prevalece sobretudo a cultura do self service. O grupo convive sob o mesmo teto, mas encontra-se privado de uma
referência sólida e central, vinculada a uma tradição de valores. Cada um é convidado a fazer o próprio prato.
Entre os produtos, ideias, valores e expressões que circulam como “moda do momento”, escolhe os ingredientes que melhor lhe agradam, tempera-os com uma boa dose de prazer, saciando a própria fome e sede. Mas a fome e a sede voltarão a manifestar-se… e em breve!
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs – Roma, 16 de setembro de 2018