Comovida com os exemplos do que pode acontecer ao povo brasileiro ante o alastramento da pandemia do coronavírus (COVID-19), a sociedade responde às orientações que lhe chegam por meio das autoridades sanitárias e de alguns governos estaduais e municipais. O isolamento tem sido difícil e de custo muito alto para todas as pessoas.
Como se não bastasse a insuficiência das ações e as atitudes irresponsáveis observadas na esfera federal, nova ameaça paira sobre as instituições, sobre a sociedade civil e sobre os cidadãos, aumentando a instabilidade do país. Em vez de se promover e ampliar os instrumentos de amparo aos cidadãos, às famílias e aos povos originários e comunidades tradicionais, especialmente as mais vulneráveis, o governo federal editou Medida Provisória limitando a ação dos governadores e agora ameaça com a decretação do estado de sítio, um dos mais fortes instrumentos constitucionais de que se pode lançar mão para restringir direitos civis e reforçar o autoritarismo do governo central.
Em iniciativa exemplar, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),apresentou parecer “pela inconstitucionalidade de qualquer tentativa de decretação de estado de sítio em face da atual emergência do novo coronavírus (COVID-19), que só serviria como instrumento de fragilização de direitos e de garantias constitucionais, sem qualquer utilidade e efetividade para fazer frente às reais demandas e desafios que a situação impõe ao país” (20/3/2020).
A hora é de unidade, de juntar esforços no combate à doença, de solidariedade, de amparo, de garantia da vida e de direitos. A hora é de se pensar prioritariamente nas pessoas, no nosso povo.
Trabalhadores estão sendo jogados na rua por empresas temerosas dos efeitos da recessão ou que se aproveitam da situação com o apoio do governo federal que acaba de editar uma Medida Provisória que aumentará ainda mais o sofrimento dos trabalhadores e das trabalhadoras. A consequência é o aumento do desemprego, da pobreza e da fome. É hora de se reforçar políticas sociais de proteção. O momento é de exigir a garantia do emprego, criar mecanismos de promoção da renda mínima das famílias desempregadas, ampliar instrumentos como o Bolsa Família, acelerar a concessão de direitos e benefícios previdenciários e decretar uma moratória no pagamento da dívida pública, transferindo esses recursos para o SUS e para a assistência social. É urgente e essencial que os trabalhadores informais, em especial os ambulantes, pipoqueiros e verdureiros, entre outros, recebam um auxílio emergencial de um salário mínimo, por no mínimo seis meses enquanto não se estruturam outras políticas públicas.
Aproveitar a fragilidade social para aumentar a privatização selvagem, para direcionar recursos públicos para os bancos, para deixar que cortem empregos, para acabar com políticas sociais, além de ser desumano, é uma ação criminosa. Usar essa comoção para impor um regime autoritário e inconstitucional é um crime histórico contra a Nação.
Saudando a iniciativa da Ordem dos Advogados do Brasil, que vem em continuidade a posicionamento que os presidentes da própria OAB, da CNBB, da ABI e da Comissão Arns tiveram dias atrás em defesa da democracia e das instituições, a Comissão Brasileira Justiça e Paz conclama os representantes governamentais, os membros do Legislativo e do Judiciário a que se unam em defesa da população em grave situação de risco e garantam proteção à saúde e à economia das pessoas, e fortaleçam as prerrogativas democráticas constitucionais incompatíveis com a decretação de estado de sítio.
Brasília, 23 de março de 2020
Comissão Brasileira Justiça e Paz – CBJP
Conferência dos Religiosos do Brasil – CRB Nacional
Conselho Nacional do Laicato do Brasil – CNLB