Padre Libânio fala à CRB Nacional ao completar 80 anos

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Por Rosinha Martins| 30.01.14| Por ocasião do 80º aniversário de padre João Batista Libânio, em julho de 2013, a CRB Nacional prestou-lhe uma homenagem. Padre Libanio concedeu entrevista à Assessoria de Comunicação na qual tratou sobre temas relacionados à caminhada da Igreja e sua presença atuante também na Conferência dos Religiosos do Brasil e versou ainda sobre os 80 anos que completara.
A CRB Nacional retoma e apresenta a homenagem feita ao padre Libanio em reconhecimento pelo testemunho profético e a diferença que ele fez na Igreja e na sociedade como religioso consagrado.

1. Qual o seu nome completo?
João Batista Libanio

2. Há quanto tempo o senhor está na Vida Religiosa?

Entrei no noviciado da Companhia de Jesus no dia 1º de fevereiro de 1948.

3. Nesses oitenta anos de vida, conte-nos uma experiência bonita que o marcou.

Nos anos do Governo Militar, em que pesava forte repressão no Norte do Brasil, na região do Araguaia, estive com a equipe do IBRADES dando um curso de formação social e teológica. Numa das reuniões, alguém me mostrou um padre que lá estava e disse que a cabeça dele valia muitos cruzeiros para os donos daquelas terras e para as forças militares. Lá vivemos a experiência corajosa de uma celebração de Dom Alano em Marabá. Estavam agentes dos Órgãos de Informação e ele dirigiu-lhes corajosamente a palavra: Ponham o gravador sobre o altar porque grava melhor. Ali estávamos todos celebrando a fé e a libertação. Outras experiências semelhantes vivi naqueles idos no meio do povo pobre e sofrido sob ameaças dos donos das terras e da repressão.

4. Que significa, para o senhor, celebrar 80 anos de vida?

Gratidão a Deus pela vida e a todas as pessoas que participaram e participam da minha vida em diferentes níveis e condições. Umas foram formadoras. Outras entraram no meu mundo pastoral. Amar e ser amado são as experiências mais sublimes da existência. E Deus possibilitou-me ambas e de maneira amplamente generosa.

5. Quais foram as suas experiências na CRB?

Participei do início de várias experiências importantes da CRB. Padre Marcello Azevedo e Frei Constâncio, ambos falecidos, convidaram alguns teólogos para criarem a Equipe de Reflexão Teológica em 1971. Constituíamos um grupo bem plural de religiosos e religiosas de diversas congregações. Coordenava-nos o franciscano Frei Constâncio Nogara. Havia certo movimento de entrada e saída. L. Boff e eu ficamos 11 anos ininterruptos. Lá estiveram pessoas bem conhecidas como o carmelita Vital, que se tornou bispo, Carlos Mesters, Madre Luzia, beneditina, Irmão Aleixo, fms, Frei Simão Voigt, OFM, o então redentorista Virgílio Rosa, Frei Gilberto Gorgulho, OP, Carlos Palacio, Cleto Calimann, Frei Moser, hoje também bispo, e muitos outros.

A metodologia: A metodologia consistia em escolher cada ano um tema, subdividi-lo em subtemas e cada participante se encarregava de trabalhar um deles em três etapas. De início, apresentávamos um esquema. Todos os colegas o criticavam para aperfeiçoá-lo, deixando, naturalmente, a liberdade de o expositor acolher ou não as críticas. Depois submetíamos um capítulo redigido ao mesmo processo de crítica e finalmente terminávamos com a redação definitiva de um artigo ou de um livro.
Eventualmente, o assunto escolhido se articulava com o tema da Assembleia Geral. No meu caso, em várias Assembleias Gerais fiz palestras a partir desses estudos que culminaram na elaboração de publicações. Assim o meu primeiro livro, depois da Tese doutoral, com o título Vida religiosa e Testemunho público [CRB: Rio, 1971], se baseou no trabalho feito na Equipe e apresentado em forma de Conferência na Assembleia Geral de 1971. Aconteceu o mesmo com outros livros, como A Consciência Crítica do Religioso [CRB:Rio, 1974], Discernimento e Política [Rio/Petrópolis: CRB/Vozes, 1977], As Grandes Rupturas sócio-culturais e eclesiais [Rio/Petrópolis: CRB/Vozes, 1980], A Volta à Grande Disciplina [São Paulo: Loyola, 1983]. Todos esses textos foram gestados na Equipe Teológica, assim como também a trilogia da Formação da Consciência Crítica. Na verdade, a Equipe cumpriu papel fundamental nos inícios de minha vida intelectual, tanto em nível de reflexão como de produção de livros e de artigos para a revista Convergência e outras.

O CETESP: Participei do Primeiro curso do CETESP (Centro de Estudos Teológicos e Espiritualidade) no Rio, para a formação de religiosos/as em nível intercongregacional. O mesmo em relação ao CERNE (Centro de Renovação Espiritual) e ao PROFOCO (Programa de Formação para Contemplativas). Nesses anos, envolvi-me intensamente com a formação, conscientização, atualização de religiosos/as. E várias de minhas publicações visaram a esse público.
Estendi as atividades para fora do Brasil. Em termos de América Latina, fiz parte, durante vários anos, de um grupo que circulava pelos países a oferecer Seminários de formação para os/as religiosos/as, organizados pela CLAR. Percorri quase todos os países da América Latina.

6. Desses materiais elaborados, qual o senhor mais gostou e achou interessante? Por quê?

Os textos refletem o momento cultural em que se vive. Naqueles momentos de entorpecimento da consciência crítica por força do Regime Militar, os três pequenos livros sobre a Formação da Consciência Crítica tiveram boa repercussão. Dei inúmeros cursos sobre eles tanto nos regionais da CRB como em vários países da América Latina e até da Europa. Outro livro, A Volta à grande disciplina, produziu certo impacto e até hoje guarda certa atualidade por causa da conjuntura eclesial presente. Nele assinalava sinais de arrefecimento da onda renovadora do Concílio Vaticano II e de Medellín/Puebla com a entrada de forças conservadoras nos diversos setores da Igreja. As Grandes Rupturas ofereceram também ocasião cursos de conscientização sobre a Igreja e Vida Religiosa do momento.

7.Que significa para o senhor ser teólogo no contexto atual?

Na Igreja, qualquer vocação adquire sentido na perspectiva do serviço ao povo de Deus. Talvez tenha sido defeito de determinada teologia tradicional ter esquecido tal perspectiva fundamental e ter-se feito antes guardiã da ortodoxia e da autoridade eclesiástica. Esquecera o povo de Deus. Entendo ser teólogo como ministério no espírito de Santo Anselmo de oferecer inteligência à fé do simples fiel. Esta não se reduz ao nível estritamente intelectual, mas afeta a totalidade da vida do cristão. À medida que a pessoa amadurece na fé, pede maior clareza, discernimento e lucidez. Rahner formulou de modo bem simples: quer-se crer honestamente, sem violentar a própria liberdade, autonomia e inteligência. A teologia põe-se à disposição desse fiel para que permaneça maduramente leal a sua consciência na prática da vida cristã.

8.Que contribuições a teologia poderá dar para um mundo secularizado e plural? Ou qual o papel dela?

A fé se distingue da religião. A secularização afetou principalmente a religião enquanto instituição que regia a conduta, o modo de pensar, a compreensão da vida das pessoas no referente à relação com o Divino e com a prática moral. Não necessariamente implica fé em Deus, como a fé cristã interpreta. Cabe perfeitamente uma religião que normatize o comportamento religioso e moral, mesmo que seja num clima vago, etéreo, místico no sentido amplo. A secularização contrapôs-se fortemente à imposição de fora de qualquer doutrina ou prescrição pela força da autoridade. Afirma a autonomia das pessoas. Não significa, porém, que secou a veia religiosa. Agora ela se afirma conforme o gosto dos indivíduos. Alguns se mostram ainda mais religiosos, mas insubmissos aos ditames prescritos pelas instituições religiosas. A fé passeia no espaço da liberdade que experimenta o Transcendente pessoal, sentido radical de sua vida e que, por isso, lhe norteia o existir. A sua força vem da Palavra acolhida como revelada. A secularização serve até para purificar a fé e aprofundá-la. No entanto, quem vincula a própria fé aos ditames da religião, a secularização lha abala. O papel da teologia consiste em exercer a função crítica em face das confusões entre imposições da religião institucional, práticas religiosas avulsas e plurais e a fé que acolhe a pessoa de Deus revelador. Para o cristão, a Escritura e sobretudo a pessoa, ensinamento e prática de Jesus constituem a fonte última da fé que lhe dá sentido à vida. Não raro entra em choque com determinadas práticas religiosas e institucionais. Estas existem para facilitar a fé e não para coibir-lhe a liberdade.

9.Como um mundo secularizado e plural contribui para que a Vida Religiosa assuma a sua vocação profética?

A vida consagrada se põe do lado da fé, da experiência de Deus, como Palavra acolhida a provocar-nos a conversão de vida seguida de práxis, compromisso. Por natureza se faz profética, ao submeter o real à interpelação da Palavra de Deus, chegada à plenitude na pessoa de Jesus. Nisso consiste fundamentalmente o papel da vida consagrada: testemunhar a Deus revelado por Jesus, como puro amor, puro dom. E a resposta cristã só assume sentido na linha do dom de si a Deus e aos irmãos. Em retratar tal vida revela-se a finalidade principal do/a religioso/a.

10.Uma das preocupações da Vida Religiosa é a falta de vocações. A seu ver a que se deve esse fato?

Vários fatores interferem. Pesa muito a acentuada diminuição demográfica de filhos por família. Antes os rincões religiosamente resguardados com muitas crianças e jovens permitiam aos pais orientá-los para a vida consagrada. Esta ligava-se fortemente ao imaginário religioso mantido pelo poder da religião institucional. A secularização corroeu-o. Deslocou o aspecto religioso sob a tutela da Religião institucional, no nosso caso, da Igreja católica, para as experiências individuais, autônomas, livres. Já não se enquadram dentro de organizações como a vida consagrada institucional. Talvez jovens procurem outras formas religiosas. Lá nos interiores de Minas um casal jovem substituiu o casamento católico pelo celta. Pode ser até mais religioso, mas escapa da tutela eclesiástica e cai sob a escolha individual. Esse aspecto mina muitas vocações à vida consagrada da Igreja católica. Para mim, a causa maior está na autonomia das pessoas e na busca individualista das experiências humanas, religiosas, desvinculadas de instituições.

11.Que dicas o senhor daria para a formação dos jovens de hoje para a Vida Religiosa?

Há vários anos, escrevi um artigo que depois foi inserido num livro ‘0 Discernimento espiritual revisitado’. São Paulo: Loyola, 2005, 2ª edição, que tentava responder a tal pergunta. Lá dizia que a vocação religiosa vivida na perspectiva da fé cristã se fundamenta, em última instância, na experiência radical de Deus. A formação consiste então em oferecer condições para o jovem discernir em que grau e em que profundidade ele está a fazer tal experiência, como alimentá-la e firmá-la ao longo dos anos de formação. A vida comunitária e a missão apostólica nascem de tal experiência e nutrem-na. A interpenetração das três dimensões da existência de fé permite o formando vivenciar a própria vocação. Todas as outras peças da formação encontram sentido à luz de tal experiência fundante. As três dimensões básicas da vida consagrada se resumem à experiência de Deus, à vida comunitária e à missão. A experiência de Deus lança o fundamento. A vida comunitária alimenta-se de tal experiência e a alimenta. Além disso, recarga afetiva, psíquica e espiritualmente o religioso para missão. Esta irradia as duas anteriores de tal modo que cada uma remete a outra. E as três vivem, na expressão trinitária, verdadeira pericorese, profunda interpenetração, passeando uma pelo terreno da outra.

12. Aos seus 80 anos que mensagem o senhor deixa para a Vida Religiosa?

Amar e deixar-se amar; cuidar e deixar-se cuidar. Encarar a vida com dose de humor, sem tragédia, mesmo nas horas difíceis, porque lá no mais profundo de toda dor e alegria, de toda felicidade ou sofrimento, existe um amor infinito que nos consola e nos ama: a Trindade.

Padre Libânio faleceu na manhã desta quinta, 30, vítima de um infarto, em Curitiba-PR.

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