Por Rosinha Martins| 01.04.14| O Papa Francisco nomeou no último sábado, 29, o arcebispo de Porto Alegre, o frei dom Jaime Spengler, 54, membro da Comissão para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica do Vaticano.
Dom Jaime Spengler é religioso da Ordem dos Frades Menores (OFM), membro da Comissão para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada da CNBB e Bispo referencial da Vida Religiosa do Brasil, pela CNBB.
Por ocasião do Seminário Nacional da Vida Consagrada que aconteceu em Itaici, em fevereiro de 2012, sob promoção e coordenação da CRB Nacional, ainda bispo auxiliar de Porto Alegre, dom Jaime falou, em entrevista, para a Assessoria de Comunicação do evento, sobre temas pertinentes à Vida Consagrada.
Como é ser o Bispo referencial para a Vida Religiosa no Brasil?
Como Bispo auxiliar a um ano, quando me foi feita a proposta de fazer parte dessa comissão para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada foi uma grande surpresa, uma primeira surpresa. A segunda surpresa foi quando Dom Pedro Brito sugeriu que dentro da comissão eu fosse o referencial para a Vida Consagrada.
O fato de ser religioso e conhecer um pouco do próprio da Vida Religiosa me acresce na missão que assumo, no sentido de não perder, digamos assim, relações com o meio de onde sai. Ao mesmo tempo diz também de uma, talvez, facilidade de poder transitar no meio dos religiosos, entender as aspirações, preocupações, alegrias, as tristezas; enfim, aquilo que é o próprio da vida cotidiana nossa. Esses elementos contribuem nesse trabalho como referencial entre os religiosos, a comissão, e consequentemente a CNBB.
De acordo com a proposta desse Seminário, como você avalia esse fenômeno de “perda da essência da vida religiosa consagrada”?
Essa complexidade aparece na própria questão: “perda da essência da vida religiosa consagrada”. O que se quer dizer com a expressão ‘perda da essência’? Será que a VR perdeu sua essência? Não seria antes nós que sentimos dificuldade de perceber em que consiste tal essência? A Vida Religiosa Consagrada está inserida no mundo, participa dessa vida; de alguma forma reflete aquilo que o mundo vive; e ela, sem dúvida, se sente tentada e provocada por aquilo que o mundo oferece.
Não podemos perder de vista que o religioso é convidado a estar no mundo sem ser do mundo. A VRC é sinal de contradição. De um lado temos a proposta do evangelho e o testemunho que os religiosos dão para o mundo. De outro lado temos o mundo com suas con-vocações e apelos. Isso sem duvida traz preocupações, porque a complexidade do mundo nos envolve de tal forma que podemos perder a referência que é o evangelho. O evangelho é a referencia fundamental, fundante, da vida religiosa.
Não se pode perder de vista isso. Nós falamos tanto em pós modernidade mas no fundo não sabemos bem o que isso representa. Um dado podemos ressaltar: na pós modernidade tudo aquilo que se tem como certeza, referência, valores, tudo isso de alguma forma parece ter entrado em ebulição e diante disso, nos sentimos sem chão. Talvez a crise da vida religiosa seja fruto dessa realidade em ebulição. Eu gosto de recordar uma frase de Nietzsche onde ele se pergunta: ‘o que aconteceu com a nossa jovialidade?’.
Nesse contexto e diante desse seminário, podemos ter como pano de fundo da discussão esse elemento: O que aconteceu com nossa jovialidade, nossa alegria? Essa alegria que só pode ser fruto do encontro com o Crucificado-Ressuscitado? Afinal, a VRC tem como referencia única o “encontro” com o Senhor; e essa possibilidade de encontro com Ele, é sempre graça, mas também pressupõe a busca de cada um, o empenho, a decisão, o querer. É importante, diante disso, recordar duas expressões do evangelho.
A primeira é que não fomos nós que escolhemos, ‘não fostes vós que me escolheste, fui vós que vos escolhi’. Isso diz de uma predileção, de um amor particular, de uma escolha particular. Por outro lado o evangelho nos apresenta o bendito Se. ‘Se alguém quiser’! Nesse Se dizemos tudo, nesse ‘se’ se joga tudo. Diz-se de um querer firme, de uma decisão, de uma cissão que cria uma realidade de um antes e de um depois.
Porque a proposta do evangelho não permite ambigüidades! Quando o evangelho diz: ‘vai e vende tudo’, ‘tome sua cruz’, tudo é tudo. Ao assumir a cruz não assumimos apenas uma dimensão, mas todos os seus aspectos. Essa é a radicalidade do evangelho que nos incomoda de um lado, e de outro nos assusta.
A partir desse pressuposto de uma escolha clara e firme, que caminho a vida religiosa pode percorrer para trabalhar com os vocacionados? O que seria essencial no discernimento vocacional?
Existe essa preocupação com as vocações para Vida Religiosa. A realidade das vocações não é um problema, pode ser uma questão, mas não é problema. Por que problema tu procuras resolver, a questão ela te incita, ela te leva a questionar, a buscar, a tentar esclarecer, não necessariamente querendo encontrar respostas.
Essa é a dinâmica da questão. Eu tenho impressão que a questão das vocações tem algo a ver com o nosso olhar, com o nosso rosto. Como religiosos em meio a essa juventude que às vezes criticamos, mas que tem aspectos tão bonitos, nós não deveríamos ter medo ou vergonha de dizer que gostamos do que somos e de que gostamos do que fazemos.
Isso aparece no olhar, no rosto, não precisamos dizer; isso é visível, perceptível e ai vem a questão do testemunho. E, diante disso, podemos recordar o que está nas diretrizes para a evangelização da Igreja no Brasil, uma citação do Paulo VI que ‘o homem de hoje ouve com muito mais atenção os testemunhos que os mestres; e, se ouve os mestres é porque são testemunhas’!
Quais são as áreas de atuação que se apresentam como um grande desafio para a vida religiosa hoje?
As áreas de fratura social. Onde a vida humana é aviltada, não é respeitada, onde ela é violentada esses são os espaços privilegiados para a Vida Religiosa. A drogadição que está consumindo o melhor que temos, a juventude, ou seja, melhor de um povo, deve ser uma proposta de trabalho para a VCR.
Uma segunda realidade é a do tráfico humano e ai envolve a questão da prostituição e transplante de órgãos. Ainda podemos citar a questão dos sem terra, os índios que atualmente muito se fala e pouco se faz. As favelas, palafitas, as comunidade pelo interior abandonadas, largadas, esquecidas são realidades que dizem, que clamam que pedem uma presença da vida religiosa.
Se no passado houve muita preocupação com a saúde e com a educação, pergunto se hoje isso continua respondendo aos anseios do povo. Até porque o estado é responsável, assumiu pra si a tarefa da educação e saúde e de alguma forma, parece que isso não o elemento de maior prioridade. Saber ler a exigência do momento histórico é um desafio.
Que palavra o Senhor poderia oferecer para a VRC hoje?
Eu não tenho dúvida de que os religiosos escolheram a melhor parte. Recordaria aquilo que Jesus fala no evangelho ‘não tenha medo pequenino rebanho, não tenha medo’. Eu creio que Vida Religiosa Consagrada sempre vai ter força enquanto mantiver a humildade e a simplicidade. Nós somos pequeno rebanho, o grão de mostarda, o sal presente na massa, discreto, mas eficaz, confiante.
A palavra que poderíamos oferecer hoje seria recordar esse carinho e ternura que Jesus Cristo tem com os seus: ‘não tenham medo pequenino rebanho eu estarei convosco todos os dias, até o fim dos tempos’ e São Paulo também nos ilumina: ‘nós sabemos onde colocamos nossa esperança’ e a esperança não decepciona.
Fonte: CRB Nacional