“A decisão de migrar é um direito humano”, afirma pesquisador angolano

Por Jaime C. Patias / 08.06.2016/ As migrações sempre foram uma questão de preocupação para governos e organizações humanitáris, tanto em termos de espaço territorial quanto econômicos, de segurança e integração cultural. A mobilidade humana abre fronteiras, cruza estradas, espaço aéreo, mares e continentes, amplia as regiões povoadas e causa impactos.

Com a finalidade de refletir sobre estas e outras questões, o Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios (CSEM), de Brasília (DF), em parceria com missionárias scalabrinianas promove um Seminário Internacional sobre “Mobilidade humana hoje: abordagens de Direitos Humanos”. O Evento que acontece na Universidade Federal de Brasília (UnB) reúne nos dias 7 a 9 de junho pesquisadores e agentes de pastoral envolvidos com a causa.

“O imigrante não é necessariamente uma vítima de situações que dão origem a um processo de mobilidade, mas uma pessoa que decide migrar e tem uma atitude ativa com relação ao seu contexto”, afirma o pesquisador angolano, Paulo Inglês, um dos debatedores no Seminário na manhã desta quarta-feira, 8. O professor que mora na Alemanha onde realiza trabalhos na Universidade Bündeswehr, em Munique, explica que as políticas públicas sobre as migrações teriam que mudar a percepção de que migração é coisa má, mesmo quando tem impactos negativos. Não necessariamente são coisas negativas em sua origem.

“As políticas que têm impactos sobre os imigrantes muitas vezes marginalizam, mais do que integram. As próprias infraestruturas criadas para dar conta da mobilidade humana criam preconceitos e reforçam estereótipos”, observa.

Para ilustrar essa questão, o pesquisador relatou algumas experiências a partir de estudos feitos na África e na Europa os quais mostram a existência de um processo histórico onde as escolhas que os migrantes fazem não são arbitrárias. “Eles pensam, avaliam e decidem o seu destino como sujeitos do processo”. Por isso Paulo Inglês contesta a ideia de “migração forçada” que pode acontecer em casos dramáticos onde temos os refugiados.

Ao falar sobre os direitos humanos, Paulo Inglês foi enfático. “O migrante tem direito em sua origem. Não é o Estado que lhe outorga esse direito”. Nessa questão, o professor destaca a importância do trabalho das instituições e agentes de pastoral em exigir o reconhecimento desses direitos. “Os migrantes não podem ficar reféns de uma política de um Estado como se os seus direitos dependessem da boa vontade desse Estado. O direito de um imigrante enquanto ser humano é igual aos direitos humanos de um cidadão brasileiro. A própria decisão de migrar é um direito humano. Ser recebido num lugar ou noutro também faz parte dos direitos. Para o professor, “promover a visibilidade desses direitos obriga o Estado a reconhecê-los”.

Com relação aos direitos humanos, foco dos debates no Seminários, os participantes do evento destacaram a necessidade de propor políticas públicas concretas na área da saúde, educação, moradia e trabalho.

Em sua trajetória, Paulo Inglês já fez estudos na Angola, Portugal, Inglaterra e Espanha. Segundo ele, é preciso distinguir bem o âmbito da pesquisa e o da intervenção direta com os migrantes. Isso por que, “o intelectual precisa ser crítico com as categorias usadas pelas organizações que intervêm na realidade. Muitas vezes, essas organizações produzem categorias que ajudam a classificar e organizar o trabalho. Mas estas categorias mais prejudicam do que ajudam”, alertou.

O conferencista citou também o papel da mídia na construção e na destruição de estereótipos. “Muitos imigrantes haitianos têm condições para se deslocar e buscar novas oportunidades. Estes não são tratados pela mídia como haitianos. Toda vez que se referem aos haitianos, são retratados como pobres e miseráveis. Dar visibilidade aos haitianos de classe média, ajudaria a desconstruir a ideia do haitiano pobre. O mesmo se aplica aos equatorianos e bolivianos”, avalia. Ele cita outro exemplo. “Na Alemanha o maior grupo de migrante são os turcos. Da década de 1950 para cá eles ganharam poder e hoje ocupam cargos políticos, postos nas universidades e na economia. Ao dar visibilidade a essa característica, a mídia apagou a ideia do imigrante turco como trabalhador que ajudou a reconstruir a Alemanha. É preciso expor os vários lados da história das migrações”. Isso para dizer que existem muitos imigrantes qualificados e todos, mesmos os mais pobres, contribuem para com a sociedade.

Ao comentar sobre a mudança no fluxo das migrações, Paulo Inglês destaca a existência de um mercado informal de tráfico de pessoas que vai direcionando as massas para determinadas direções. “É algo bem estruturado que muda conforme as possiblidades de vagas. Muitas vezes, esses lugares são provisórios servindo apenas de passagem para outros destinos. Isso precisaria ser melhor estudado e analisado”, comenta.

As discussões seguem com painéis, plenários e grupos temáticos com o objetivo de partilhar experiências, pesquisas e projetos na área da mobilidade humana.

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