Tempos de polarização e migração

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Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs

O avanço internacional do autoritarismo político-econômico, o fundamentalismo religioso, a intolerância étnico-cultural e a onda de rechaço e xenofobia diante dos migrantes – eis um cenário global quem vem engendrado uma polarização ao mesmo tempo política, ideológica e religiosa. Mais do que sublinhar os tradicionais polos direita-esquerda, estamos diante de uma onda de conservadorismo que recusa ouvir, e muito menos aceitar, toda e qualquer opinião contrária. Conservadorismo que se redescobre sobretudo em setores de direita ou extrema-direita, mas que, surpreendentemente, também pode se manifestar em segmentos que se proclamam de esquerda. O fato é que o “pensamento único” se espalha, se impõe e pretende dominar em todas as esferas da vida pública e até privada. Como ironizou alguém, direita e esquerda hoje só valem para o trânsito.

De outro lado, as chamadas forças sociais vivas e ativas, que nas últimas décadas lutaram por mudanças profundas no status quo ou no sistema vigente, parecem ter entrado em estado de hibernação. Indiferença, descrédito, apatia, desencanto e inércia, entres outros fatores, paralisam boa parte dos representantes dessas forças, antes vivas e hoje adormecidas. O esboço rudimentar e nebuloso do que parecia um projeto alternativo ruiu e se esfacelou, espalhando os fragmentos em todas as direções. Poucos se arriscam a juntar os pedaços descosidos para renovar-lhe o desenho apagado pelos ventos contrários.

Nos bastidores dessa hibernação, esconde-se um quadro sombrio de medo e ameaça. É a voz ao mesmo tempo surda e estridente das massas em ebulição. Termos como desemprego, violência, crise, caos e barbárie, por exemplo, desencadeiam turbulências e tempestades. A ordem passa a ser “salve-se quem puder”. Exacerba-se o individualismo à máxima potência. Mas exacerbam-se também grupos, facções e falanges das mais diversas tendências, os quais, em lugar de comunidades abertas, tendem a formar guetos cerrados e impermeáveis, hostis e hostilizados. Disso resulta um terreno fértil para o “governo forte”, autoritário e moralizante, marcadamente conservador e não raro retrógrado.

Instala-se com frequência um dualismo dicotômico e fortemente maniqueísta: do lado de cá estamos “nós e os nossos”, do lado de lá estão os “outros e estranhos”. Entre os de fora e os de dentro ou entre os bons e os maus, cria-se uma linha divisória invisível, e por isso mesmo mais eficaz. Horizontalmente, o tecido social se fende e se subdivide em amigos e adversários, uns a serem defendidos, outros a serem eliminados. Os opositores da ordem, venham de onde vierem, convertem-se em inimigos. O mais grave é que o corte horizontal, de forma consciente ou não, deflagra o acirramento da desigualdade socioeconômica própria do corte vertical, tornando a pirâmide social cada vez mais injusta e assimétrica. Crescem simultaneamente o acúmulo de renda e riqueza, por um lado e, por outro, a exclusão social.

Países como Hungria, Áustria, Dinamarca, Itália e a Inglaterra do Brexit, na União Europeia, ou Estados Unidos e Brasil, do lado de cá do Atlântico, ilustram essa polarização. Do ponto de vista horizontal, desfraldando a bandeira do nacionalismo populista, fraccionam a sociedade em fatias de “cidadãos de bem” e “intrusos e indesejados”, particularmente os imigrantes. Isso, do ponto de vista vertical, e sempre de forma consciente ou não, faz com que os cidadãos de bem tornem-se cada vez mais “cidadãos de bens”. Aos que chegam de fora, resta o temor de serem rechaçados pelas massas manipuladas e enraivecidas ou, pura e simplesmente, ignorados pelas forças sociais inertes e inermes. A polarização perpassa pelo interior de todas as áreas e instâncias da sociedade, desde a família e o parentesco até as relações em âmbito internacional, passando pelos grupos e redes sociais ou os diversos organismos do governo. Tal qual uma epidemia, ela contamina e contagia os movimentos, organizações de base, entidades, associações, bem como as políticas públicas.

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs – Rio de Janeiro, 22 de abril de 2019

 

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