Quilombolas debatem o tema da cultura e da educação em celebração da Consciência Negra

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Por Rosinha Martins | 22.11.2015 | Cerca de 500 pessoas das Comunidades Quilombolas de Minas Novas, no Vale do Jequitinhonha, se reuniram no último dia 21 para realizarem a 1ª Celebração do Dia da Consciência Negra.

O evento contou com a participação dos quilombos Ribeirão da Folha, Mangabeiras, Cabeceiras, São Pedro do Alagadiço, Santiago, Trovoadas, Macuco, Mata Dois, Pinheiro, Barra do Fanado, Gravatá, dentre outros, além de Caravanas vindas das cidades de Angelândia, Capelinha, Setubinha, Malacacheta, Turmalina, Chapada do Norte e Virgem da lapa.

A Comunidade de Quilombo foi a anfitriã que recebeu os convidados com quitudes, quitandas, bebidas típicas e uma feira de artesanato que retatava a cultura do lugar. Os grupos folclóricos Marujada de São Pedro do Alagadiço, Banda de Taquara de Bem-Posta e o Vilão Santinho das Comunidades de Santiago e Quilombo chegavam com muita animação com seus instrumentos, danças e cantorias que lembravam os antepassados.

O dia foi marcado por palestras e debates sobre a cultura negra com seus desafios e perspectivas no contexto atual.

As cotas para negros e o ‘boi da cara preta’

A presidente da Associação Quilombola Luízes, de Belo Horizonte-MG e advogada Maria Luiza Sidônio, 65 falou sobre os espaços que o negro precisa conquistar na sociedade e fez memória da vida cotidiana vivida nos quilombos com seus antepassados.

Sidônio fez menção às cantigas preconceituosas que também as populações negras incorporaram sem saber do problema que elas traziam para a cultura negra. ” Nunca cante para o seu filho ou neto, ‘boi da cara preta’. Nossa cara é preta, vamos ensinar nossos filhos a ter medo de nós?”, questionou. E sugeriu um outro canto a ser cantado para ninar. “Boi, boi, boi, boi bem brasileiro, ensina o seu povo a sair do cativeiro’.

A assessora contou, ainda, que sua avó costumava cantar canções de ninar que exaltavam a princesa Izabel pela libertação dos escravos. E parafraseou a avó, cantando: ” Drume, drume sinhozinho. Drume, drume pra crescer, que os galos já tão cantando e não tarde amanhecer. Senhora dona Isabel vem tratar do negro escravo…”. Explicou que, em outras palavras, verso e prosa, a avó entendia que se não fosse a princesa, os negros seriam escravos ainda nos dias de hoje, com o que Luiza discorda. “Quando os negros foram libertos saíram sem nenhuma possibilidade de emprego, de moradia, diferentemente da política adota pelo governo para os europeus”.

Sobre a questão das cotas para negros nas universidades, Maria Luiza disse não ser a favor, mas que infelizmente o racismo obriga a se ter essa estratégia em vista de dar igualdade de oportunidades aos afrodescendentes. “A UFMG é uma Universidade Federal. Antes das cotas poderíamos ficar nos três horários e não víamos um negro. Elas não deixam de ser um avanço”, alega.

A educação no Campo: um outro projeto de Brasil

O coordenador do curso de licenciatura em Educação no Campo André Rodrigo Rech, falou sobre a importância da educação para as populações rurais. “Trabalhar com a educação no campo no Vale do Jequitinhonha é o grande projeto no qual o Brasil pode apostar para construir uma sociedade diferente, pela diversidade cultural, humana e pelo potencial que temos nessa região em vista de um outro projeto de Brasil”, alegou.

Segundo Rech, “não dá para ensinar o camponês sem lutar pela terra. Não dá para falar de educação no campo sem discutir quem é o dono dela, a quem ela pertence, o que ela produz”.

Em relação à situação dos quilombolas no processo educativo, o professor afirmou que é preciso se perguntar em que sentido a educação no campo dialoga com a educação quilombola e qual o papel da educação quilombola na educação no campo.

Agricultura familiar, os quilombolas, os pescadores, os seringueiros são, segundo Rech, o públicos-alvos da educação no campo. “Esse processo educativo tem um projeto claro que é formar professores para trabalhar na escola do campo com uma outra proposta de ensino. Não dá mais para ensinar o aluno filho do agricultor com um currículo completamente urbano, desligado da realidade”, garante.

Ainda, de acordo com André, a educação pode muito mais que se imagina pela sua capacidade de mobilização. Não dá pra discutir direito a terra, sem discutir identidade, pois se adquire a posse mas não tem identidade.

André Rech defendeu a ideia de que as crianças e os jovens do campo tem o direito de ter uma educação de qualidade. A migração para a cidade gera uma série de sofrimento por preconceitos. “Por virem de uma realidade rural, do campo, e sofrer vários dos preconceitos que os pobres deste país sofre, e que os negros tem um desafio a mais porque além de sofrer todos os preconceitos que os pobres sofrem, ainda sofrem os preconceitos que os negros sofrem e as mulheres ainda sofrem os preconceitos que as mulheres negras sofrem. Superar essas barreiras demanda de políticas afirmativas”.

O desastre ecológico em Minas: “Irresponsabilidade levada a cabo pelo capital privado não pode ser considerado acidente”, diz professor

O assessor pediu aos participantes que fizessem um minuto de silêncio pelas vítimas da tragédia em Minas, o que chamou de fruto da irresponsabilidade de um governo que privatiza. “Essa catástrofe foi causada porque tivemos um governo irresponsável que privatizou a Vale do Rio Doce, tirando primeiro o nome do Rio Doce da Vale, agora ele tirou o Rio Doce do mapa do Brasil”, afirmou.

Para o professor a tragédia não foi um acidentes, pois “irresponsabilidade levada a cabo pelo capital privado não pode ser considerado acidente”. Uma represa daquele tamanho não ter monitoramento. O Rio Doce já era. O Brasil perdeu boa parte da sua riqueza natural. Esse tipo de coisa é preciso discutir na educação no campo”, ressaltou.

Rech finalizou sua fala ao ressaltar que as condições essenciais da vida são as mesmas para todos. “Todos nós queremos terra, trabalho e dignidade. A educação no campo vem para fazer esse debate: O que o homem do campo quer? Para que precisamos formar o filho do agricultor? Precisamos de antropólogos que venham das comunidades para fazer acontecer a demarcação das terras no Vale”.

Morosidade de autoridades políticas dificultam a vida dos quilombolas

Em Minas Gerais, de acordo com o Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES), 400 comunidades quilombolas estão distribuídas em 155 municípios, maior parte destas em zona rural. Porém os quilombolas continuam lutando pela titulação das suas terras com grande dificuldade devido à morosidade dos governos.

Uma fonte que não quis se identificar falou das dificuldades que as associações de quilombolas vivem na região com o descaso de políticos e autoridades que poderiam ajudá-los a avançar no processo de organização das comunidades. “É tudo muito difícil. Tem prédios de associações quilombolas caindo e quando pedimos socorro na prefeitura, nos dizem que a associação não precisa de ajuda, ou nos mandam ir para Belo Horizonte, sendo que nós nem conhecemos ninguém lá e nem a cidade. Não querem fazer tombamento da nossa comunidade e querem tomá-la de nós. Nós precisamos de ajuda”, desabafou.

Prefeitos, vice-prefeitos, vereadores e outras autoridades participaram da 1ª Celebração do Dia da Consciência Negra. Resta saber, após a fala da fonte acima, com que intenção estavam lá, se não atendem às necessidades da comunidade ou pouco fazem por elas.

Fonte: CRB Nacional

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