Quando o amor fala mais alto, não importa o meio de transporte. Missionários ressuscitam vidas na Amazônia. Série 3.

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Por Rosinha Martins| 13.04.2016| Uma moto scooter elétrica nos caminhos da missão. É isso mesmo. Quando a terra é firme, a Irmã Nilma não perde tempo. Ou é a pé, de ônibus, de carro ou moto, o importante é estar sempre à disposição dos necessitados, levando um povo de amor, ampliando a corrente do bem.

Pertencente à Congregação das Irmãs Servas da Caridade, Irmã Nilma Aparecida de Queiroz é natural de São Paulo, atua em um bairro de periferia da cidade de Macapá – AP, há 7 anos. É coordenadora pedagógica de uma das quatro creches da diocese, dá cursos para as comunidades, celebra e visita as famílias das comunidades ribeirinhas. Ai, ela precisa deixar a terra firme e enfrentar a imensidão do Rio Amazonas, em barquinhos, voadeiras ou outros.

Em entrevista à Assessoria de Comunicação da CRB Nacional que na ocasião, março deste ano, foi à Amazônia para gravar um documentário, Irmã Nilma falou sobre a sua paixão pela missão, os desafios e as alegrias que fazem parte deste trabalho.

Irmã, poderia contar um pouco da sua experiência como missionária nestas terras?

Irmã Nilma: Quando tiver que sair daqui, com certeza, sairei mais preparada que quando vim. As vezes achamos que temos que estar preparada para vir para a Amazônia. Não precisa, porque você acaba mudando a própria forma de ver as coisas. Por exemplo, a Vida comunitária…quantas vezes damos atenção a tanta picuinha (porque o sofá n não está do jeito que quero, porque o copo não está lá…), conflitos tão desnecessários! Quando a gente chega aqui e vê a necessidade gritante deste povo e constata que eles vivem com o mínimo possível, aí nasce a pergunta sobre o sentido do prato estar ou não aqui ou acolá.

A senhora quer dizer que acaba acontecendo uma mudança de mentalidade?

Irmã Nilma: Isso. Você vai aprendendo a reorganizar a forma de pensar e dar valor as coisas, não que a nossa vida no sul não tenha importância, mas eu, por exemplo, sinto muito mais livre aqui como pessoa, justamente porque aqui a gente vai aprendendo a se desprender de muitas coisas. Eu sou uma pessoa muito metódica, perfeccionista. Imagine uma cultura como a da Amazônia, diferenciada, que tem um ritmo muito diverso do nosso, mais lento. Precisamos reaprender a viver. Tudo aquilo que você tende a querer nos mínimos detalhes, na missão não dá para querer mais, para exigir, pretender ver da forma que eu via, não da mais.

É uma troca de experiência Irmã? Tanto a senhora se abre para aprender como eles também?!

Irmã Nilma: Eu dei passos para aprender pois existem coisas que servem apenas nos sufocar mais que para libertar. Mas eles precisam dar um passo de qualidade na sua forma de viver, de ter uma perspectiva de vida melhor, de ter um sonho pois o sonho às vezes é pequeno. O nosso papel é, também, alargar os horizontes.

 Além de coordenadora pedagógica, a senhora tem outras atividades junto ao povo?

Irmã Nilma: Fazemos celebrações trabalhamos na formação, catequese. Para tudo o que me pedem me coloco à disposição. Para mim é questão de sobrevivência. Corremos o risco de ser quase funcionários da Vida Consagrada: fazer, fazer. É verdade que fazemos muito, mas me preocupo demais com a velhice. E quando eu não conseguir fazer mais nada, o que me restará. Esta preparação do espírito, do ser é fundamental, por isso rezo, medito o conteúdo e vou alimentando o meu espírito, me preparando para esta outra fase. Amo poder partilhar um pouco do que sei. Do pouco que sei coloco tudo a disposição e cada vez que estou com eles vejo que saio muito mais enriquecida que quando cheguei.

Para uma pessoa que quer ser missionária na Amazônia, que dicas a senhora dá?

Irmã Nilma: Primeiro ser gratuito – vir com desejo de doar-se totalmente sem medo, sem preconceito. Tem que se lançar, mergulhar na vida do povo, porque é com eles que aprenderemos ser missionário. Eles que nos dirão com sua forma de ser como devemos agir.

Esse povo é muito acolhedor e confia demais no missionário. Eles não querem o missionário perfeito, mas próximo. O fato de se aproximar, ser alegre. Na creche faço questão de ser alegre, mexer com as crianças, dizer bom dia…e quando não estou os pais sentem minha falta.

O missionário que vem para cá tem que se desprender muito daquilo que falaram, dos preconceitos. Aqui a gente tem a sensação de se sentir útil no sentido de perceber que o povo gosta de sentir a sua presença, te sentir por perto.

Frescuras e exigências não podem vir na bagagem, Irmã?!!

Irmã Nilma: De jeito nenhum. Já peguei quatro dengues, mas não tenho medo de enfrentar a missão por receio de ficar doente disto ou daquilo. Não deixo de fazer nada que deveria fazer para se prevenir. Não que seja imprudente, não. Temos que ter prudência. Mas, por exemplo, se o barquinho é pequeno, vou no barco pequeno. Eu não gosto de peixe. Se fosse para escolher, eu não comeria. Porém, chego nas comunidades e o povo diz: “Irmã, fiz aquele peixe da hora para a senhora! E eu logo grito: eita coisa boa! E isso não é hipocrisia, é acolher aquilo que eles tem para dar. Quando tem um franguinho caipira, que eu gosto, digo: “gente, hoje vou no franguinho caipira”. Não temos o direito de fazer isso com eles. Eles dão o melhor de si. Se você vai para uma comunidade ribeirinha e se prende ao externo, ficará ficara amarradinho dentro do barco e não fará nada. Eles estão lá vivendo, porque eu não viverei? Um grupo de pessoas veio para a Amazônia e disse que só de olhar o rio dava nojo, quer dizer, esse tipo de coisa, quem vem aqui, jamais deve dizer…

As crianças que vocês atendem na creche são meninos e meninas em situação de risco? Elas vem de quais situações?

Irmã Nilma: As crianças vem do próprio bairro Marabaixo, de risco. Em nível familiar, elas sofrem muita violência: filhos do próprio pai, do avô, (e não são denunciados por que a família já se acostumou com a ideia); da pobreza que é muito grande. O índice de mortalidade infantil é bem alto. É uma criança sofrida, mas linda.

Um fato inusitado é que existe o cuidado da mãe, enquanto está amamentando até dois aninhos. Passou dai, ela abandona e a deixa, com muita facilidade com o pai, com o vizinho, para se aventurar em outro relacionamento. Temos muitos casos de pais sozinhos que cuidam de seus filhos ou de vizinhos que cuidam de crianças cujas mães partiram. Os pais que ficam sós com seus filhos, choram e desabafam conosco. Às vezes, quando o pai está trabalhando e os filhos terminaram a escola, ficam trancados dentro de casa. E muitas vezes famintos. Na sexta e segunda damos uma comida mais forte na creche para que ela vá pra casa mais fortificada.

A Campanha da Fraternidade trata do saneamento básico. Isso parece não existir em Macapá, de forma geral. É real, Irmã?

Irmã Nilma: Falta da parte do governo. Não temos saneamento. Louca, o encanamento da casa vai tudo para rua. Quem sofre são os pobres. As fossas que não da para limpar, abre fossa e as crianças ficam em situação vulnerável… Aqui colocam bandeira do partido e ganham 50, 00 para por a bandeira. O povo sofre muito neste sentido.

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