Para além do Sínodo Pan-amazônico

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O Sínodo Pan-amazônico, em curso durante este mês de outubro de 2019, deve ser entendido no pano de fundo de dois documentos essenciais publicados no pontificado do Papa Francisco: a Exortação Apostólica Evangelli Gaudium, de 2013, e a Carta Encíclica Laudato Si’, de 2015. Enquanto o primeiro texto cunha a expressão fecunda da “Igreja em saída”, o segundo tem como preocupação central o cuidado com a “nossa casa comum”. Um tem em vista a natureza missionária de toda a Igreja e de sua ação evangelizadora, o outro desenvolve a temática cada vez mais atual da preservação do meio ambiente, como preservação da própria vida.

Ambos os documentos se cruzam, se interpelam e se entrelaçam de forma inextrincável. Mais do que nunca, os habitantes e o território da Amazônia representam para a Igreja terra de missão. Parafraseando um dito célebre, “nossas Índias se encontram dentro de casa”. Quando tomamos em mãos a questão amazônica, está em jogo, por um lado, o risco da atual política econômica que ameaça a sobrevivência dos povos indígenas, das comunidades ribeirinhas e dos remanescentes quilombolas. Daí a urgência de uma atitude permanentemente missionária que leve em conta os direitos desses cidadãos, hoje sob o risco de serem engolidos pela voracidade inata do sistema capitalista de produção. Como no Evangelho, a periferia vem para o centro!

Por outro lado, a região amazônica também está em jogo pelo que representa, seja em termos nacionais quanto globais. Nesse sentido, se é verdade que o Sínodo abre uma porta para refletir sobre o futuro do solo, da floresta e dos povos da Amazônia, também é certo que o evento abre uma janela para refletir sobre o futuro do planeta Terra, como fonte e mãe primordial da vida – e da vida em todas as suas formas, incluindo fauna e flora, isto é, a biodiversidade. Extremamente ilustrativo a esse respeito é o próprio tema do Sínodo: “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral”. Cabe aqui a máxima que prescreve “agir em localmente e pensar globalmente”.

Reproduz-se, uma vez mais, a visão de longo alcance que o pontífice vem revelando desde sua eleição à cátedra de Pedro. O Papa Francisco, de fato, tem o dom e o mérito de pautar temas urgentes e nevrálgicos, não apenas para a agenda da Igreja, mas para a agenda da política internacional. Sobressaem três exemplos atuais e muito pertinentes.  Primeiramente, os problemas relacionados à mobilidade humana. Logo em seguida à sua eleição, o pontífice organiza uma viagem à ilha de Lampedusa, situada no sul da Itália, porta de entrada dos migrantes que se dirigem à Europa. Com isso, coloca no centro do palco o drama das migrações, com seus embates, travessias e mártires. Mais tarde, ainda com o dedo nessa chaga dos desenraizamentos humanos, não deixará de visitar a ilha de Lesbos, na Grécia, outra rota dos deslocamentos de massa em direção ao velho continente europeu. Tampouco se esquece de visitar a fronteira entre México e Estados Unidos, onde tantos sonhos se convertem em pesadelos.

Em segundo lugar, vem o tema frequentemente trazido à luz sobre a “economia que mata”. Em tom profético, o Papa tem insistido sobre os mecanismos perversos de um sistema econômico que escancara as fronteiras para as mercadorias, a tecnologia, o capital, as informações e o turismo, mas as fecha para os trabalhadores em busca de um solo pátrio. Acabam convertendo-se em mão-de-obra “descartável e descartada”! A crítica põe a nu a economia do consumismo, do desperdício e do descarte, que concentra simultaneamente riqueza e exclusão social. Daí o refrão sobre a necessidade de “abater muros e erguer pontes”. Ou a advertência em superar a “globalização da indiferença” pela “cultura da acolhida, do encontro, da abertura, do diálogo e da solidariedade”. O afã do crescimento econômico por si só resulta nefasto, se não levar em consideração uma melhor distribuição dos frutos produzidos pelo trabalho humano. Como já nos recordavam com ênfase a Constituição Pastoral Gaudium et Spes, de 1965, e a Carta Encíclica Populorum Progressio, de 1976, a tecnologia e o progresso científico devem estar a serviço não só do crescimento, mas do desenvolvimento integral.

Por fim, entra em cena a temática do Sínodo Pan-amazônico sobre a preservação do meio ambiente. Nas palavras do Papa Francisco, que, entre outros alertas, remetem à ação dos movimentos sociais ambientalistas e ao alerta dos numerosos estudiosos, o cuidado e a convivência com os recursos naturais tomam o lugar da exploração exacerbada e irresponsável. O viver bem próprio da sociedade moderna, procura desfrutar, aqui e agora, até a exaustão da terra e suas últimas potencialidades, tudo aquilo que natureza nos oferece. O grande desafio está em superar essa atitude egoísta e egocêntrica pelo bem viver geocêntrico, orientado para o uso justo e sustentável dos bens que a terra coloca à disposição de tudo e de todos. 

A ecologia integral, proposta pelo Sínodo, leva em conta a terra e os seres vivos, sejam estes animais, vegetais ou humanos. A preservação da vida sobre a face da terra está subordinada à integração complexa de todos os fatores que compõem sua continuação. A biodiversidade forma uma rede entrelaçada onde cada nó e cada fio é, ao mesmo tempo, causa e efeito da preservação social, política, econômica, cultural, histórica e ecológica – em prol das gerações futuras. Nessa perspectiva, o Sínodo Pan-amazônico apresenta-se, contemporaneamente, como uma porta, uma janela e um laboratório para experimentos alternativos no que diz respeito às relações entre a preservação da vida e o uso correto e sustentável de tudo o que nos dispõe o planeta azul. 

O Sínodo centra-se sobre os dramas que se desenrolam no território amazônico, mas vai muito além disso. Ao mesmo tempo que procura denunciar a desertificação do solo pela derrubada da floresta, a contaminação do ar e das águas, o progressivo aquecimento global, a exploração inescrupulosa de seus recursos e, em consequência, o risco que correm suas populações vulnerabilizadas, busca igualmente anunciar formas novas de utilizar e partilhar aquilo que a natureza nos proporciona. Convém não esquecer que o Sínodo tem um protagonismo amplo e conjunto, a começar pelas populações da floresta, seus agentes e lideranças. Em qualquer alternativa a ser pensada, deve prevalecer a justiça, o direito, a responsabilidade e a ação solidária.

Quanto aos objetivos do evento, o melhor é passar a palavra ao Papa Francisco, como inspirador da iniciativa: “identificar novos caminhos para a evangelização daquela porção do Povo de Deus, especialmente dos indígenas, frequentemente esquecidos e sem perspectivas de um futuro sereno, também por causa da crise da Floresta Amazônica, pulmão de capital importância para nosso planeta. Que os novos Santos intercedam por este evento eclesial para que, no respeito da beleza da Criação, todos os povos da terra louvem a Deus, Senhor do universo, e por Ele iluminados, percorram caminhos de justiça e de paz”.

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs – Rio de Janeiro, 10 de outubro de 2019

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