A migração desperta o ser adormecido,
revelando nele o trabalhador oculto;
migrar é lapidar o metal bruto do diamante,
fazendo-o passar pelo fogo ardente,
onde se torna mais duro e cortante.
Caminhar é depurar, a um tempo, mala e alma
de tudo que lhe é supérfluo e superficial;
purificar os valores próprios e alheios,
atendo-se apenas ao que é essencial,
e conferindo-lhes maior e forte brilho.
O viajante mergulha nas próprias entranhas,
reúne o que nelas há de melhor, caro e raro,
para que o fardo não lhe seja em vão pesado;
põe-se a caminho com as primícias de si mesmo,
em busca de terra fértil onde espalhar o achado.
Por isso é profeta e protagonista do amanhã:
recusa e denuncia injustiças e assimetrias,
carrega e anuncia profundas mudanças;
ao mover-se faz marchar a própria história,
interpelando todos os sujeitos nas andanças.
Parte e chega, re-parte e volta a chegar,
levando nesse círculo paz farta e solidária;
como o vento e as aves fazem à semente
assim o forasteiro move e envolve toda gente
abre horizontes com sua surrada sandália.
Desde a origem até o destino vago e incerto,
a pátria lhe escapa por entre os dedos;
de cada fronteira faz um solo amigo e amado,
– terra firme, casa, rocha, abrigo, refúgio –
onde sonhar e lutar por um mundo recriado.
Ulisses cansado retorna à casa e a Penélope,
a Dante a amada Beatriz lhe acena o céu,
Dom Quixote de Dulcineia adivinha o encanto;
a peregrino pelas estradas da terra rasga o véu
que antevê o Reino onde não há mais pranto.
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
Rio de Janeiro, 1º de outubro de 20129