A missão entre os migrantes provoca mudança interior

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Pensar missão significa pensar em mudança, em transformação. Quem se coloca nesse caminho experimenta no próprio ser um movimento físico, mental, espiritual que provoca mudança.

Testemunho, pessoalmente, que vivo e experimento este movimento no cotidiano da missão aqui em Siracusa, sul da Itália. Deixei as “seguranças” que tinha em Brasília (DF), no Centro Scalabriniano de Estudos Migratório para ser migrante junto aos migrantes e auxiliar outras pessoas a se compreenderem e compreenderem as transformações que sofrem e que promovem. Seguranças essas denominadas: domínio da língua nacional, comunidade religiosa estável, conhecimento da equipe de trabalho, recursos financeiros para realização de atividades, relações públicas consolidadas, saber acadêmico e projeto claro de trabalho entre outras. Hoje já não existem as mesmas condições de seguranças. Deparo-me com uma Igreja local ‘suplicante de ajuda’ para um despertar do coração em relação aos migrantes. Encontro-me com uma realidade onde os migrantes são alvo de ‘business’ para uma camada da sociedade e ao mesmo tempo em que expressam, no seu olhar, a esperança de uma vida digna.

Como explicar tudo isto na experiência missionária? O que dizer a respeito desta missão? Detenho-me a expressar o quanto esta missão transforma meu ser e provoca novas perspectivas. A experiência de total despojamento, de não conhecimento da língua nacional, nem dos idiomas que falam os migrantes; o desconhecimento das politicas e ‘jogos econômicos’ locais a respeito dos migrantes; o silêncio de uma Igreja que deseja ser samaritana com os migrantes, mas parece não encontrar caminho, pois de certa maneira requer mudanças estruturais para uma verdadeira acolhida; os mecanismos de acolhida e acompanhamento dos migrantes usados pelo governo dificultam o acesso direto a eles; a cultura local de Siracusa, a ausência de elementos metodológicos pré-acordados entre nós, a necessidade de explicitar a espiritualidade para além da religiosidade, estes são alguns dos elementos provocadores de mudanças.

Diante dessa realidade entendo o significado de ser missionária, de viver as características da missão segundo o Evangelho (Mc 3, 13-14), isto é, de estar com o Mestre, ouvir, contemplar, aprender e deixar-me ser enviada por Ele a, servir, acolher, estar com os migrantes, cumprir o mandato de Jesus. Isso vem acontecendo desde janeiro de 2015, quando aqui chegamos para esta missão. Portanto, ser missionária ganha sentido e vigor diante de expressões, como a do vigário geral da diocese: “vocês, além de ajudarem os migrantes, estão nos ajudando, como diocese, a perceber os migrantes, além deles mesmos”.

“Vocês são minha família”, expressou um migrante hospitalizado, depois que atendemos suas necessidades e lhe fizemos companhia no horário de visita. Ou ainda ao encontrarmos o grupo de meninas jovens eritreias na praça que, ao abraçá-las nos confiaram: “nós não fomos violentadas na travessia da Líbia e do mar porque nossos amigos nos salvaram”.

Na missão também se vivem indignações diante de expressões que evidenciam rejeição e intimidação de nosso ser-agir missionário, tais como: “vocês apoiam e ajudam esses que escapam e não cumprem a lei”, disse-nos uma religiosa referindo-se aos migrantes na praça; ou ainda as palavras do prefeito: “nós temos o quadro completo e segurança total para os migrantes. Não precisamos de vocês”. Outras instituições que, nos vendo nos locais onde estão os migrantes, nos questionam: “quanto vocês recebem? Que tipo de centro de acolhida vocês têm? Quantos recursos vocês investem? O que fazem aqui?”

Esta complexa realidade muitas vezes me reduz ao despojamento total, ao sentimento de estar no lugar dos próprios migrantes. Daqueles migrantes que são totalmente despojados, feridos, perseguidos, expulsos de sua pátria, rejeitados, não amados, com suas identidades reduzidas a meros “extracomunitarios”. Não obstante, estar imersa nessa situação de contrariedades, de dor e esperança, de abandono e expressões de acolhida, de impotência diante do poder estatal e ao mesmo tempo diante da ternura de Deus expressa nos gestos de solidariedade me faz compreender o significado de ser missionária.

Esta dinâmica provoca mudanças no meu ser e fazer missão. Deus age, está presente, tem paciência, espera, acompanha os caminhantes, fortalece os fracos, acolhe e derrama óleo de misericórdia nas fragilidades, faz tremer as estruturas pessoais rígidas e amolece o coração apaixonado pelo seu Reino.

Enfim, a vida junto aos migrantes me confirma o valor de ser irmã missionária scalabriniana e me impulsiona a assumir o desafio expresso pelo papa Francisco na mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado. “Neste momento da história da humanidade, fortemente marcado pelas migrações, a questão da identidade não é uma questão de importância secundária. De fato, quem emigra é forçado a modificar certos aspectos que definem a sua pessoa e, mesmo sem querer, obriga a mudar também quem o acolhe”.

Os migrantes e prófugos nos interpelam a fazer mudanças pessoais e estruturais profundas.

* Irmã Terezinha Lúcia Santin, é missionária scalabriniana entre os migrantes em Siracusa, Itália.

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