A abundância de bens como gaiola de ouro

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Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs

“A vida de um homem não consiste na abundância de bens”, diz o texto do Evangelho escolhido para o 18º domingo do tempo comum do ano C (Lc 12, 13-21). Quem não a deseja com toda sofreguidão – essa “abundância de bens”? Bens, mais bens, sempre mais bens! O prazer de ir às compras como uma forma de lazer por excelência. O lucro a qualquer preço e a acumulação de renda e riqueza, combinados e entrelaçados, constituem a pedra angular do sistema político e econômica que emerge com a Revolução Industrial. O aumento sem precedentes da produção e da produtividade redobra o instinto de ganância ambição. Eleva o desejo a uma potência nunca antes experimentada. O ser cede o lugar ao ter e aparentar

De acordo com os economistas clássicos, como Adam Smith e David Ricardo, nasce a noção de capital e de sistema capitalista de produção, em particular com a obra em cinco volumes sobre A riqueza das nações, de Smith. Aproximadamente um século mais tarde, semelhante dinamismo econômico ganharia uma nova compreensão com os escritos de Karl Marx e Friedrich Engels e com a publicação d’A ética protestante e o espírito do capitalismo, obra igualmente clássica de Max Weber. Este mesmo autor iria cunhar a expressão “gaiola de ouro” para designar o bem-estar egocêntrico e individualista da vida moderna, recheada de inovações tecnológicas para todos os gostos e alguns bolsos.

As palavras do Evangelho não deixam de jogar viva luz sobre essa “gaiola de ouro”, tanto de ontem quanto de hoje. De fato, diz o homem rico da parábola contada por Jesus: “Já sei o que vou fazer. Vou derrubar meus celeiros e construir maiores; neles vou guardar todo meu trigo, junto com meus bens”! O homem teve uma safra surpreendentemente positiva. Produziu muito acima de suas necessidades. Qual a solução?  Ampliar os armazéns, guardar, acumular! Em seguida, diz para si mesmo: “Descansa, come, bebe, aproveita”! Nos tempos atuais, a solução certamente se torna bem mais complexa. Talvez vender a produção excedente pelo melhor preço do mercado internacional, colocar o dinheiro no banco, investir nas ações da bolsa de valores, entrar no jogo financeiro do cassino mundial.

Entra em cena a voz silenciosa de Deus. Voz que mora na consciência de toda pessoa humana: “Louco, insensato”! O homem não se dá conta que, ao erguer celeiros maiores, está construindo a própria “gaiola de ouro”. De que adiante toda essa riqueza acumulada, se ela traz embutida os germes da escravidão e da corrupção? Fartura estéril de um prisioneiro. Prisioneiro em dupla dimensão. Em primeiro lugar, porque os bens o manterão permanentemente acorrentado à preocupação do proprietário que, ao esconder a riqueza, atrai sobre si a cobiça dos vizinhos e a astúcia dos ladrões, sem falar da traça que a corrói. Como garantir a segurança? Depois, prisioneiro do próprio desejo. Riqueza chama riqueza, bens somente se satisfazem com novos bens. “Quem mais tem mais quer” – diz com razão o ditado popular.

O rato caiu na ratoeira, o homem caiu na cilada. A acumulação oculta armadilhas imprevistas. Existe saída para essa gaiola revestida de ouro? O desafio está na superação do sentido de “viver bem” para o sentido bem mais profundo do “bem viver”. No primeiro caso, trata-se de desfrutar de forma egoísta, predatória e inescrupulosa os bens que a natureza e a tecnologia colocaram à disposição dos seres humanos. No segundo caso, a fortaleza cerrada dos bens guardados se abre à partilha, à distribuição, à solidariedade. Descortina-se o horizonte da responsabilidade de toda pessoa, grupo, sociedade, povo, nação, enfim, da humanidade como um todo. Ou seja, todos nos tornamos responsáveis em um tríplice rumo: com relação à preservação do meio ambiente, com relação aos pobres e excluídos do planeta, com relação às gerações futuras. Enquanto a noção de “viver bem” tem o olhar preso ao próprio umbigo, e ao próprio prazer, o conceito de “bem viver” mira sua atenção para o cuidado com a vida em todas as suas formas (biodiversidade) e para a continuidade da história – uma história justa, fraterna e solidária.

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs – Rio de Janeiro, 1º de agosto de 2019

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